quarta-feira, 4 de março de 2009

Alegoria de Nietzsche




Observei os monstros.
Os monstros dividem-se em dois. Aqueles monstros que atiram pedras aos monstros, e aqueles monstros que recebem as pedras e as comem, e se habituam a come-las.
Dediquei-me a humanos e a monstros e os humanos receberam-me e deitaram-me fora, precisavam de sangue e de coisas da terra e eu era demasiado angélico.
Os monstros agarraram-se a mim. Que lealdade era esta? Que tipo de vampirismo? Que pena eu senti. Eu disse: todos os monstros estão sozinhos, os que atiram as pedras e os que recebem as pedras, e tu agora nunca mais precisas de estar sozinho. Eu vou comer pedras contigo e contigo eu vou atirar pedras. E tu vais ver que és um anjo, como eu, és um anjo. Os monstros são anjos que os humanos comeram, porque os humanos não comem pedras, alimentam-se antes de carne viva e de anjos, e que deitaram fora como assim o exige o aparelho digestivo.
Algures no meio da merda eu hei de retratar as asas, e quando voltarem a acreditar em asas, a dormência abandonará as vossas, e as pedras serão rosas e as rosas lampiões para iluminar os homens.
Por isso eu transformei as minhas asas em cinza e disse: "nunca ninguém derrubará esta essência do fogo".
Os monstros fitaram-me longamente, a arremassarem-me como uma pedra e a comer-me como pedra e os humanos compadeceram-se de mim, porque me tornei estrume de monstro e de homem e nenhum anjo, se alguma vez lembrou, se lembra de mim.
* dedicado a Gotik Raal

6 comentários:

  1. Este é um dos textos que considero mais poderosos, de entre todos os que aqui li.

    E, ao lê-lo, desenham-se alguns paralelismos curiosos na minha memória; mais logo volto para tos deixar aqui (a ver se concordas comigo).

    Para já, porém, deixo-te apenas um beijo*

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  2. De monstros e anjos e homens e bestas

    Que pena eu senti. Eu disse: todos os monstros estão sozinhos, os que atiram as pedras e os que recebem as pedras, e tu agora nunca mais precisas de estar sozinho. Eu vou comer pedras contigo e contigo eu vou atirar pedras. E tu vais ver que és um anjo, como eu, és um anjo.

    Às vezes ele ficava muitos dias sem sair de casa. Passeava-se por lá, por entre os estranhos habitantes daquele buraco e, depois, voltava a fechar-se no quarto. (...) Era nessa altura que ela sabia, ainda antes de entrar, que encontraria anjos pintados de fresco a ocupar mais um nicho da parede.

    * * *

    Os monstros são anjos que os humanos comeram, porque os humanos não comem pedras, alimentam-se antes de carne viva e de anjos, e que deitaram fora como assim o exige o aparelho digestivo.

    Às vezes, depois das viagens mais longas ele voltava e desenhava monstros, muitos, muitos monstros… E ela achava que esses monstros eram o mundo, o mesmo mundo do qual fugira há tanto tempo atrás.

    * * *

    Podia fazer mais alguns mas não creio que haja necessidade.
    Aliás, nem sei se qualquer outra pessoa que leia isto compreenderá, mas tenho a certeza que tu percebes :)*



    PS: Afinal não vim deixar-tos "mais tarde". A vontade de trabalhar é pouca, hoje :$

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  3. Alexiel, de facto já me tinha ocorrido este paralelismo entre os nossos textos.

    Quando escrevi este texto senti-me um pouco estupido, porque falava de coisas que me são muito reais mas sem me deixar saida, e de uma forma que me fazia sentir um miudo chorão.

    Mas é isso mesmo, desde o romantismo os anjos passaram a fazer das suas asas cinza, para que a utopia fosse imortal e a alma eterna, e nenhuma destas coisas corruptiveis.

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  4. Vá lá; estás melhor que eu.
    Eu normalmente sinto-me sempre estúpida quando escrevo. Aliás, ultimamente, não só quando escrevo... :S

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  5. Aqui no "Lugar do Medo" tens de te respeitar, o "Um Morte" e o "Sete Morte" estão sempre à escuta.

    Ama-te. Porque mereces ser amada. Imagino que serás bastante rara em achar os teus textos estupidos, mesmo.

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  6. E eles mordem?! :P
    Pronto, eu vou ver se me controlo, não quero aí as Mortes todas a rogarem-me pragas ;)
    (Não ligues hoje estou extremamente parva)

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