Fecho os meus olhos durante muito tempo, há muito tempo, e os momentos passam, passam como mundos que, em sequência, se desmancham aos meus pés na forma móvel de mil berlindes negros. Aceito-os e ignoro-os. Por debaixo das minhas pálpebras cerradas, fecho mais o olhar, os meus olhos choram pétalas de cravo e esperam que o perfume te atraia. As pétalas desenham um pequeno círculo, um pequeno altar no solo. Dentro da taça, acendo a vela. Desvio o olhar do espelho e descubro o sangue onde pétalas haviam. O sangue, responsável por tudo o que é único e imortal, o sangue que mata e o sangue que ressuscita, o sangue, esse, que pode fazer a neve e o gelo serem quentes ao toque, esse sangue, todo ele, vertido no cálice do teu olhar.
Alongo-me a fitar a taça. Ela contém os vultos bailarinos do meu inferno. Ecos:
Estou sentado num divã, nu, como me apresento sempre a ti, e a minha pele brilha, tremeluzente com as velas. Escuto Wagner e tenho um cigarro nas mãos, que tresandam a vida e morte. Olho o círculo de pétalas de cravo em que se empareda e dança o escorpião. Os mundos que caiem e se dividem, ficam suspensos, no interior do círculo. Desvio o olhar do espelho. A taça abriga o Universo em ecos. Em ecos…
Pergunto-te porquê? Porque me renegaste à sombra? Tem pelo menos a piedade de me esclarecer, de me retirar das mãos esganadas desta agonia. Eu fui tocado pelo amor do teu olhar mas os homens desprezam-me. A mim, que presenciei mais do que poderiam… sim, estava a espreguiçar-se debaixo da lua, com os gatos. E eu… atacou-me uma fraqueza, fui esmagado pela minha ânsia e cai no chão, uivando. A partir daí os meus dias tem sido um inferno. O mundo é aborrecido, populado de criaturas aborrecidas, eu sou, sobretudo eu, aborrecido, e espero pelo tempo da loucura, das orgias e das cidades incendiadas. O tempo em que o mundo volte a apelar pela tua justiça.
* A imagem é uma manipulação de Phallucifer
Tenho vindo muito cá, sabes? Mas não te tenho deixado nada, à excepção de uma ou outra resposta, mais ou menos tosca, às palavras gentis que me foste deixando.
ResponderEliminarE, se não escrevo, é porque a única palavra que me ocorre é sempre "perturbador" e não me parece lá muito interessante andar a catalogar assim todos os teus textos; não porque não seja verdade mas porque me soa demasiado monótono e não gosto disso. A vida, como dizes, é demasiado aborrecida -e eu também-. Por isso não me parece inteligente juntar a esse aborrecimento uma ou outra palavra repetidas até à exaustão. Até porque, quando demasiado repetidas, as palavras desprendem-se do seu significado e passam a ser apenas sons, ruído...
Eu acredito nisso. Por isso, há muito tempo atrás, fui repetindo a palavra "amor", muitas muitas muitas vezes; os dias passavam, as semanas, os meses, e nos meus lábios ia-se desenhando aquela palavra, até que ela deixasse de o ser.
Hoje, agora, ando a repetir outra, esperando que também ela possa perder o significado: "medo"...
Enfim, não ligues aos meus devaneios; volta e meia dá-me para isto -_-''
Um beijo*
PS: Vi também o teu comentário num outro local (meu)...
You are a clever man, indeed. That’s all I have to say…
PPS: Depois de abandonadas num qualquer local, à mercê de todos os olhares, as palavras tornam-se aquilo que nelas vemos. E, sabes?! Por mais doido que possa parecer, aquece-me a alma saber que ainda há olhares capazes de ver beleza onde o meu só vê desolação...