A nuca bem delineada da senhora da limpeza no hotel, enquanto arrasta, de cabelo preso, o carrinho prateado com os lençois. Os meus passos mudos atrás dela. A nuca, enquanto os pés passeiam e os olhos param.
O sabor do escuro e da pouca luz da noite entre as persianas, e o sabor das camas tal como são arranjadas nas pensões, o conforto inesquecivel que invade o corpo, e o espírito embriagado no cheiro dos tecidos.
A água nas fontes depois de horas de sede, e o sabor dos lábios molhados de uma mulher rendida. Vê-la fechar e abrir os olhos lentamente. Vê-la colocar os dedos finos, suavemente, nos contornos do pescoço. Sentir o abraço do seu corpo, com temperatura e perfume.
Os dedos pintados com o toque do céu a roçar suavemente nas minhas nádegas.
A terra em que me deito depois das noites xamânicas, o ressoar do tambor e o colar de ossos que chocalha à volta do meu pescoço enquanto danço como um Deus.
Os abraços e os uivos e as correrias nos prados, saltar por cima e para cima de pedras, parando aqui e ali para adorar a Lua.
O cheiro do campo quando chego a casa. Uma noite na cidade de Lisboa, passada na Metropolis enquanto a rapaziada ébria escorrega e cai no chão e ri e brinca só porque sim.
A erva da Globenkien e os pés dela descalços. Os desenhos que ela desenhou ao meu colo. Vê-la pintar perto da janela numa tela do seu tamanho e parar, existir só a respiração dela, os tons, as paragens e as pincelagens.
Rir-me alto.
Chorar com o peito esmagado. Um ombro morno. De manhã, e não haver ninguém nas ruas e os vultos das casas cerradas parecem demasiado definidos.
Um murro contra a parede e um urro enraivecido. Os confrontos e os olhares. A pancadaria com a bófia nas manifestações ou saltar vedações e rasgar as minhas calças preferidas. As vacas que olham para mim enquanto procuro o proximo café nos desertos do Alentejo.
Os comboios do Algarve e ainda sentir o Guadiana.
Aquela invasão do fosforo na pele, perto dos olhos, acendido próximo às narinas. O fumo a percorrer o peito, a relaxar o corpo e a suavizar a mente, a ampliar os momentos e os pensamentos.
As gaivotas do Tejo e as noites em que quis morrer por causa de ti.
Todos aqueles que conhecerei, e tudo aquilo pelo qual passarei.
Como pudeste escolher abandonar tudo isto e como, pelos deuses, pudeste ocupar tudo isto?
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