terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Fénix, Na Casa Luminosa




A Casa ilumina-se, uma fracção fantasmagórica do universo morto, o labirinto elemental das coisas onde a chama ainda se esconde. A casa ilumina-se com um ardor secreto para abrigar no seu subterrâneo um ovo amplo, fechado e sem paredes. Na cave, uma tocha com cabelos de fogo e corpo laranja dança, a sua força a do mar que mói o céu em espaço, a sua segurança a da beleza pura e cristalina da memória.

André Consciência, baseado num sonho de Cátia Ferreira

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Um Tríptico, Na Casa Luminosa




Um rosto é sempre simples, dois olhos, duas faces, testa, queixo, os lábios; um instrumento simples, em bruto, com ele te conheço e com ele me conheces. É nos posteriores detalhes que nos esquecemos do que primeiro é o rosto. Nos detalhes representamos, e o corpo todo, porque segue sempre o rosto, torna-se superstição, imortalidade. 

Cada semblante possui os seus traços de tempos e épocas distintas, mas eu sou sempre branco, cabelos e asas alvas, olhos transparentes como duas bolsas de vidro vazias.

Pressentes muitas máscaras, tripticas todas, mas só uma te atrai, porque não tens ainda rosto para suportar os muitos rostos, e vais sonhar fundo, adentrando a dimensão.


André Consciência, baseado num sonho de Cátia Ferreira

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Nilo, Na Casa Luminosa

Carl McCoy






Em vida, havia o costume de nomear as coisas, todas as coisas tinham um nome e até aquelas que não tinham nome eram evocadas com o nome das outras. A morte, no entanto, é muda, um ovo em corredor que atravessa a existência de uma ponta à outra e a materializa em símbolos. Não há um único som nesta sala estreita e comprida, é uma galeria de essências, expostas em vitrinas como carne no talho, mas intocáveis, impossíveis de tocar ou ingerir, porque em vida tocam, morrem. Ali, aquele indivíduo que era um clarinete, emoldurado, uma palavra que me terá chamado um dia e a que terei feito apelo. Uma caixa de música sem música e só com a dança, a bailarina de plástico rodando à vista de pessoas que foram fadas, dragões, tapetes persas suspensos no tecto como Inanna, carnal aos olhos de Ereshkigal. A morte não é cega, e ao centro do corredor que é o centro do mundo, um globo de madeira, renascentista, que ao girar se abre e deixa cair telas com o retrato de todos os pactos. Fico à espera que estas paredes caiam soterrando-me e me façam símbolo de mim. Espero, imóvel, contra a parede, emoldurado.



André Consciência, baseado num sonho de Cátia Ferreira

O Músico, Na Casa Luminosa




No claustro, o céu aberto ilumina o azul-branco do mármore em arcada, e o mármore, mais régio que o céu, mais monárquico e alto, lança o manto estelar sobre o jardim. O céu, enquanto pousa no labirinto de arbustos em espiral, ilumina o movimento do mundo, e da longa mesa de pedra a que me sento vejo a fonte ascendente, os raios de luz a atravessar a correnteza que flui para cima, como assim era e como assim será. O rapazinho de cabelo de neve atravessa as roseiras de água e sangue e sobe a pequena escadaria, sem peso dentro do peso, encostando-se a uma enorme harpa cuja cor é a cor das coisas e a mesa enche-se de poesia, os filósofos discutem o encontro dos rios, Lúcifer soa a primeira corda, os quartos-de-lua em ónix brilhante agitam-se sobre os transeuntes e sob a eterna aurora dourada.

André Consciência, baseado num sonho de Cátia Ferreira