sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Nilo, Na Casa Luminosa

Carl McCoy






Em vida, havia o costume de nomear as coisas, todas as coisas tinham um nome e até aquelas que não tinham nome eram evocadas com o nome das outras. A morte, no entanto, é muda, um ovo em corredor que atravessa a existência de uma ponta à outra e a materializa em símbolos. Não há um único som nesta sala estreita e comprida, é uma galeria de essências, expostas em vitrinas como carne no talho, mas intocáveis, impossíveis de tocar ou ingerir, porque em vida tocam, morrem. Ali, aquele indivíduo que era um clarinete, emoldurado, uma palavra que me terá chamado um dia e a que terei feito apelo. Uma caixa de música sem música e só com a dança, a bailarina de plástico rodando à vista de pessoas que foram fadas, dragões, tapetes persas suspensos no tecto como Inanna, carnal aos olhos de Ereshkigal. A morte não é cega, e ao centro do corredor que é o centro do mundo, um globo de madeira, renascentista, que ao girar se abre e deixa cair telas com o retrato de todos os pactos. Fico à espera que estas paredes caiam soterrando-me e me façam símbolo de mim. Espero, imóvel, contra a parede, emoldurado.



André Consciência, baseado num sonho de Cátia Ferreira

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