quarta-feira, 29 de abril de 2009

Retratos

Não sei ao certo a razão pela qual todos tomaram o meu sífilis, primeiro criado como uma criança no carinho do segredo, depois rasgando a membrana ao olho púb(l)ico, como uma pancada na consciência. Eu esperava actos de recriminação, não é a Sífilis doença para pervertidos? Mas não, a odiosa culpa, como se tivesse sido cada um deles a colocar as sementes de morte em mim. E como os odiei ai, com um tom sarcástico de indiferença, como se estivesse tudo bem. Mas os bastardos nem no que respeita o meu próprio processo de morte me concederam o dó da responsabilidade, como se eu fosse um produto dos seus actos moribundos. Actos moribundos com qualquer coisa de muito errada, a ausência do seu vírus mortal nos seus corpos.

Quando estava com alguém, não se falava de mais nada, como se a minha condição fosse um bom tema de conversa e falar sobre ele, e preocuparem-se muito, aliviasse as mazelas. Ah, e o desconforto com que o faziam, o pouco-à-vontade que a minha presença gerava. Divertia-me um pouco. É verdade. Só quando estava sozinho, à janela do meu apartamento, a olhar a lua, é que sorria tristemente. Gostava de estar de volta no campo, com as minhas primeiras aventuras a três. Ou mesmo, muito antes disso, de estar no barco para Tróia, a olhar a minha feiticeira ruiva sem que ela soubesse, ainda, quem eu era. O meu primeiro amor morreu era eu um adolescente, e eu não morri para ninguém porque quando morri, já não era para ninguém senão memória e fantasma.

Mas retomando o curso do dis-curso. Depois desse pouco à vontade começaram a surgir os ataques, os ataques… Como se com isto se protegessem da culpa que nem sequer possuíam. Que parvoíce. Um a um, fodi-lhes a vida. Eles tinham tanto a perder e eu só tinha o fim pela frente e eu queria sair com triunfo, sem que ninguém pusesse a mão na minha morte, no meu ser, no meu eu. E foi ai que me dediquei inteiramente às putas e ao sadomasoquismo. Sem perceber muito bem porque razão, foi ai que estoirei as minhas ultimas notas, nisso e em quartos de pensão para onde por sua vez nunca levei ninguém e onde nunca nenhuma mulher nem nenhum homem me tocou sexualmente, embora as moscas fodessem sobre mim enquanto eu tentava dormir e as baratas caíssem nos copos com agua riscados e as manchas de esperma e sangue de outras pessoas que não eu nem causadas por mim ainda se pudessem ver nos lençóis à luz clara da manhã. Não sei bem o que me levou a nunca mais voltar a casa. Mas um dia senti esse ímpeto, um pouco em reverso, sonhei que a casa ardia e, recordo-me pus-lhe fogo na noite seguinte. Agora, não havia como voltar, ninguém visitaria a minha casa para ver as minhas coisas depois de ido.

Tive saudades de algumas pessoas, família, amantes (só sentia nostalgia, no geral, das primeiras, as da juventude), mas invadia-me ainda mais o nojo que se colava à percepção desses. Às vezes não a conseguia justificar, à náusea, e… sentia-me enlouquecido, sem saber o que me guiava. Talvez a morte, talvez a própria Sífilis? Talvez todo o desgosto da vida e que até então escondera. E tudo isso a ser a mesma criatura monstruosa: eu, e eu em todos os nomes, em todas as pontes e em todas as mulheres nuas que coroei com o luar e cujos castelos derrubei com a minha lança de deus.

Acariciava as memórias e cuspia nas pessoas em si. Na minha mente, degolava cada personagem do palco da memória, quando depois das cortinas se fecharem, surgiam num todo, horríveis, com toda a beleza a ser veneno, arma única para a totalidade do fedor. Por fim, a minha ultima inimiga: a Sífilis, a comer-me que nem uma mãe porca. Curvado, apoiado em duas muletas e algum gesso, paguei, na gota última de dinheiro, o táxi e lá estava. Entre Gaia e o Porto. A ponte, noite funda. Já no rio, ninguém me apanharia.

Agora apetece-me rir. Foi tão fácil fugir e ninguém me apanhar. Haha.

Vocês que estão a ler-me, lembrem-se que são livres, vocês são livres porque ninguém está a olhar e nunca houve alguém a olhar.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Adão & Eva

Na figura do teu aconchego
a vontade da pele ser a tua pele.
Mesmo a morte, ha de pintar
no meu corpo, o rosto do mundo.

Os beijos que trocamos
gravam nomes.
O sangue que beijamos
inscreve palavras
nas lápides dos antepassados.

A manhã arranca os nossos pés,
colados juntos, à eternidade;
mas por mandamento da alma
um só vulto de amor
ergue as asas da imortalidade.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

A Metade Devorada III

O primeiro tiro de caçadeira, abafando as coisas em mim como trovão que cega o céu, como o tambor de um deus que abraça e destrói: rio que se despista contra oceano. Não olhei para ele, porque o barulho era tremendo. Trémulo, peguei com toda a força que tinha no meu tambor de latão, como se fosse fazer as pessoas orgulharem-se.


"que o meu pai vai morrer"

Então naquele dia, como em todos os dias, a minha avó pegava em mim pelo braço, com o pulso forte que só as pessoas da sua idade possuem, e levava-me ao largo onde podia comprar coisas frescas dentro da fruta e das suas cores liquidas na boca. Às vezes eu ficava sentado à porta da mercearia, perto do mercado, e observava os meninos de rua com bicicletas e posturas de rua e palavras de rua e aspectos livres e aspectos oprimidos. Quando eu entrava ela fazia-me carregar um leite de pacote, depois uma peça de fruta, e comprava, a pensar em mim, vinho “Pegões” e sobremesas que vinham enroladas em papelão. Então, quando estava na fila:

“Por favor deixe-me passar é que o meu marido tem um cancro, está acamado em casa” e eu sorria, tão compreensivo como enjoado, como se houvesse regalias e prémios de quase-viuvez, ou qualquer coisa que se herda de alguém que não deixou, como se mesmo naquela cama, debilitado, ela o pudesse violar e violar o seu nome e cobrir de espinhos um coração invisível, à espera.



Ele batia no volante e expirava de cada vez que o carro parava porque havia outro carro na mesma rua, demasiado perto; porque os sinais também ficam vermelhos. “Calma…” dizia-lhe ela “ainda te dá um troço” e suspirava às escondidas. Centrava-me em ouvir o batimento que existia dentro do meu peito, como se fosse algo de concreto perante tudo o resto, esquecido que de cada lado existiam os meus irmãos. E pensava que ele não queria chegar atrasado ao inevitável.


como as paredes gigantes do hospital branco




de cabeças baixas, não falando porque nunca houve nada sobre o que se falar, e fingindo que na dor era solidariedade e que na dor não era um adeus mais definitivo que nunca




Então peguei nela, sempre forte, naqueles momentos, e a pretexto de a levar à casa de banho




como se fossem amuletos, eu com uma colecção de livros, de livros que diziam Swami Vivekananda, com capas lisas e de uma só cor, como se fossem mundos que suprimiam os outros mundos numa beleza nova, e ele dizia num quarto clarificado num aquecedor rotativo, do qual por vezes se queixava ou, não se queixando, tremia de frio procurando abafar mil gemidos que se amontoavam. E por vezes dizia que não conseguia engolir, ou arrotar. E outras vezes as suas pernas inchadas e brancas e roxas podiam estender-se ainda no sofá. E ele dizia do seu quarto: “O que é que eu vou fazer agora com eles?” e eu sabia as palavras dos assuntos, mas não sabia responder-lhe, não sabia falar com ele, nem quando, quase, me pedia no seu jeito rude. Não soube falar com ele quando os seus olhos estavam mortos e o seu corpo vivo e sem ver me chamou. Não soube falar com ele no dia em que sufocou e praguejou antes do fim das palavras.



rezamos pela alma que podia estar a partir, que estava a partir, apertou-me com força, e eu era uma luzente torre de força: “é o meu homem! É o meu homem! Meu companheiro! Meu marido! Meu irmão!” e eu a sentir os mil dardos das suas palavras que o feriam, que me feriam quando ela as dizia, penetrarem-na insuportáveis como pregos de ferrugem como buracos irreparáveis no coração.


Eles disseram que ele estava estático e amarelo. O meu tio, alto, corpulento e todo ele animado no seu estilo próprio e pachorrento tinha cara de bebé, e o seu choro era mais indefeso e abandonado do que o do mais pequeno bebé. Se eu soluçava, dizia sempre que era pelos outros. A mim, a morte não me havia de impressionar.



Eu pensava: talvez: como se ela não fosse ter a ultima palavra, como se a sua ultima palavra fosse: talvez: eu.



“Merda!”




Não soube porquê, da primeira vez que me chamou como se eu fosse um qualquer herói, e das outras vezes, porque nunca perguntava, sabia porque me habituava a não saber. E quando deixei a pequena carta no último momento antes do caixão ser completamente um caixão, brincava como quem suplicava que fosse sério, de explicar porque era o meu herói.

O último beijo do meu pai na rigidez daquele desprezível resto de tudo, foi veneno, foi eclipse, foi veneno, como a ultima pazada e as feições duras do coveiro num enterro pobre e desinteressante, como se nada fosse, porque era nada, como se fosse tudo. E invadido por coisas que não pude dominar eu dizia que se chorava, era por ser a ultima vez. E a ultima vez, ali, foi como uma pedra basilar, foi como uma coisa completa, que cobria todas as outras coisas: coisas que foram, muitas, e que me tinha esquecido, coisas que seriam até eu ser esquecimento.


quando as pessoas negras me comprimentavam, eu nunca sabia quem eram


para pintar a casa, para plantar as muitas arvores das quais conhecia toda a ciência, para me falar da índia e dos seus sons e dos seus animais, esmurrar a mesa por causa de uma guerra ou uma tortura que eu não podia sequer imaginar e que tentava alcançar sem forças, porque sabia que o seu passado era o meu. Para guardar a casa, naquele dia turbulento, apoiado à caçadeira e quieto durante horas, coberto pela substância da noite e pelo fogo de céu azul dos seus olhos.






Sei-te como se não existisses fora da minha demência.
Como se existisse fora de mim: e a morte não apagasse de verdade.

domingo, 12 de abril de 2009

O Anarquismo na Nova Tecnologia (o surgimento do Cyberpunk)



"a consensual hallucination experienced daily by billions."


1. Neuromancer de William Gibson. O termo Cyberpunk provem da corrente de ficção científica que esta obra gerou.

2. Nos anos oitenta, ainda antes do Neuromancer, em 81, tínhamos a obra prima chamada de Blade Runner e que veio inspirar o Cyberpunk com igual pujança. Ate, uma década a seguir, o Extreminador 2, no seu conceito, e hoje em dia temos o Matrix! São os mais famosos.

3. A moda Cyberpunk é o desperdício de criatividade dos que poderiam ser cyberpunks, cujo físico e estética se encontra entre os mundos, no grande Totem chamado computador.

4. Um cyberpunk, anarquista infiltrado, depois de acabar a universidade plantava uma bomba-virus, quebrando as paredes dos quartéis do poder privado.

5. http://www.well.com/~hlr/vcbook/vcbookbiblio.html

6. O Ninjitsu já passou a historia, agora o novo "Modo Silencioso" é dos japoneses otakus.

7. Eu como sou gótico e atrasado, ainda sou amigo dos golemns e do Frankenstein, será que esta na altura de redefinir o Raio?

8. http://www.eff.org/

9. O Anjo é um Puer Aeternus de consciência idosa, e o Cyberpunk é um lógico que sofre do sindroma de Peter Pan. O erro de J. M. Barrie foi ter posto o pirata no lado errado.

10. Será o Social Engennering o futuro Grande Olho cuja luz descobre todos os vermes para todos os olhos? O Homo Veritas em convulsão no seu ovo.

11. http://www.planetanews.com/autor/MICHEL%20MAFFESOLI

12. Lenin definia a modernidade como a electricidade e as mentes soviéticas. Diga-se da pós modernidade "informatica e esoterismo"!

13. Tudo começou com os Phreaks, os piratas das linhas telefónicas, aqueles designados a roubar a tecnologia do controle estatal e do controle industrial como Prometeus deu a Chama ao homem. Os hackers são os phreaks dos computadores, e o Cyberpunk o movimento social e cultural do seu produto.

14. André Breton escreveu: «A vida verdadeira está ausente, já dizia Rimbaud. Este será o instante a não deixar passar para a reconquistar. Em todos os domínios, eu penso que será necessário aportar a esta busca toda audácia de que o homem seja capaz.» E Breton acrescenta: « Fé persistente no automatismo como sonda, esperança persistente na dialética (aquela de Heráclito, de Mestre Eckhart, de Hegel) para resolução das antinomias que desafiam o homem, reconhecimento do acaso objectivo como índice de reconciliação possível dos fins da natureza e dos fins do homem aos olhos deste último, vontade de incorporação permanente ao aparelho psíquico do humor negro que, a uma certa temperatura pode ter o papel de válvula, preparação da ordem prática a uma intervenção sobre a vida mítica, que, na maior escala, figura de limpeza. »

15. Michel Zeraffa tentou resumir assim a teoria de Breton : « O cosmos é um criptograma que contém um decriptador: o homem. »

16. Wiener, pai da cibernética, juntou a física probabilística, a filosofia e a neurologia num só. Ele falava de quantidade, hoje o Cyberpunk fala de qualidade.

17. Primeiro a informática era restrita a projectos militares, e primeiro era utilizada para estruturar e organizar. Depois de Wiener começou a revolução do microcomputador, a partir daqui o computador acessível ao indivíduo, então como instrumento intimo de lazer, depois, com a Deusa Internet... cada um de nós pode conquistar o mundo. A Mente é o Caduceu, o Computador o Espelho Mágico.