quinta-feira, 26 de abril de 2012

Elefantina























Travels to discover the source of the Nile - James Bruce


O estreito começava no rio
De cada lado, a terra verde
Com faixas.

Através de nós
O Sul navegando
Mais e mais.

Apertava-nos o que parecia ser
O deserto.

A conturbação do Nilo sobre as águas
Debruçava o seu peso verdejante
A esmagar os campos de granito negro.

Penhascos altos entre passagens
Estranguladas, e selvaticamente
Açoitadas.

Os estreitos empurravam uma corrente
De ilhas asfixiadas.

Um tubarão monstruoso
Persegue os baixios
De carácter e cor distinta
Usurpador do deserto no rio.

O calor na miragem dançava
Salpicando montes negros.

Estes desertos tinham em comum
Ser assassinos do homem.

Um rio de prata
Incrustava-se na coroa verde
E reluzente

Uma sombra esverdiada
Em forma
De guarda-chuva

O palácio do faraó estendia-se.


Horned Wolf

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Chunguila

Tatiana Portrait - André Consciência




I

Tu, ao anoitecer
Tremeluzente sobre o rio
A gotejar um voo triunfal
Tilintavas a despedida solar
E arrepiavas-te ao ver-me
Escrever deste terraço
Sonante e sentado

Mas tu maior que eu
A escapar no meu poema



II

Ao crepúsculo, sentado no terraço
Vejo Oeste tomar o mundo de surpresa
Com flores cansadas atrás de sombras
A brilhar envolta de colinas

Arde contra a corrente obscura o verde
Do castanho nos teus olhos, e pairas
Entre o dia e a noite, móis a luz
E cozes uma tapeçaria de projecções

Furas debaixo das pontes, uma súbita
Tremura de ar contra si mesmo
A ondulação pára a água
E os pardais deitam-se tarde.


André Consciência

domingo, 22 de abril de 2012

Mistress






A cobra veio ao poço
E eu, de pijama,
Num dia de calor
Á sombra funda e estranha
Com perfume da macieira
Ladeando a escadaria
Onde se espera
Descer o poço.

Ela entrou na soturna fissura
Da muralha de pedra
Amarela e suave e toda uma barriga
A fazer o fim da pedra
A descansar toda garganta
No topo da pedra
Onde a água mais pingava na ascendente
Vertical ela bebia de boca direita
Glandulas lânguidas e silêncio húmido

Eu esperava, e o meu poço
Não era meu, a cabeça ela ergueu
E baixou, e mais bebeu.

E o meu poço não era meu,
Mas eu era negro, negro
E inocente, e ela dourada
Resplandecente.


Horned Wolf

O Verão da Noite






Uma mulher alta, avançando
Na ondulação dos seus cabelos de dormir
Tropeçou no quarto encoberto
Do silêncio fora da porta do quarto
Entrando viu uma pira e um homem
Que a pira erguia à espera

De arder.


Á vista disto, empinou-se
Pés erectos como um arco esticado
Ou a proa de um barco, esticou para trás
A cabeça, e ficou a ver as sombras
Num mar de neve, com sinos de gelo a tocar
E ela viu-o, a cair como feno em chamas
E deitou-se como um fantasma molhado e um
Tapete, no solo abaixo

Suave como a pétala que cai
Da flor, sem ser ouvida
A entrada eclipsada, o olho escuro
E grave do seu sexo, afundou-se no esquecimento
Em orgulhosa sucção.


Horned Wolf

Comedor de Branco
























Night Train - Kent Whitaker



Um comboio
Caia da linha
Para o espaço
E um meteorito
Desaparecia
Para dentro

Uma realidade
Caia da ilusão
Para os olhos
E um trovão
Ejectava-se para cima

Os olhos caiam do comboio
Para o comboio que caia dos olhos
E o tempo despedia-se
De outro tempo


Horned Wolf

Vou Nevar

Verge - David Jay Spyker



O sangue do Sol é a névoa
Com as suas coxas cinzentas
E espasmódicas

Como penhascos a abundarem
Na sombra do oceano
Em cinza.

Os becos sem saída enterram
O sexo na areia do descampado
Suficientemente longe para escapar
Ás investidas da manhã.

O meu elmo embaciado
Reflecte o movimento aéreo
Dos anjos altos que avançam
Pela treva alerta e sobre nós.


Horned Wolf

Som Branco







Ao sairmos do bosque
A Grande Luz
Içou a noite
Vestida de branco


Tu, o que serás
Tão justa - o cintilante
Passo desajeitado
E vestido de branco.


Como qualquer campo
Em neve e quente perseguição
A ofegante noite afagou
O nosso rosto.


O corpo aquecido da noite branca era
Como os perfumes da tua garganta
Acendida na noite e branca
Uma estocada que encanta.


A pulsar por toda a fusão de nós
Uma coisa que escapa sem escapar
E uma raiva colosso, a morte
O cintilante passo desajeitado
E vestido de branco.


Em reverência e êxtase
Inteira e branca, a noite
Fita mudamente a árvore negra
Que desflorou para dentro
A transformar-se, no fantasma luminoso
De um anjo indecoroso.



Horned Wolf

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Aleph



Cristo pestaneja. A Lua à sua frente rege um movimento, a noite negra da alma espalha-se no chão, escorrendo do astro ferido. A morte entre um passo e o outro, o caos e a destruição estendendo os braços, querendo arrasta-lo para o estado de graça. Bebe o vinho de uma virgem, pois todas as virgens são ainda serpentes - ninguém se torna virgem sem antes cair do céu, e ninguém sobe, sem que, ao descer, ela tenha marcado o caminho que esqueceu. "Um dia, destruirei a civilização e descobrirei por isso Atlantis..." - "O Cordeiro, expulso do reino celeste, sofre o amor de Deus, mas o amor de Deus é a Serpente e a Serpente é o Céu" - "Os licores do Sol pode o homem beber numa mulher, e os licores da Lua bebe a mulher num homem, se para as bocas um do outro verterem todo o seu sangue"

André Consciência

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Camélia Incendiária




Há-de nascer em mim uma última camélia
Naquele momento em que tudo o que
Alguma vez fiz acreditado, ceder
E ficar a noite comprida sobre
Os nossos ombros gastos e marmóreos
Com a Lua a coroar o abismo
Das coisas existirem, e isso ser
Absoluto. Os teus cabelos mortos.

Os nomes de todas as raparigas
Passarão a ser luzes no fim do mundo
E elas não serão. Um último corvo
Numa última manhã, turva e curva
A pender já para a noite
Que nos encerra aos penhascos
Da existência luzidia.

A mãe, o pai, o irmão, o filho
Se o houvesse, transformados na cinza
Que me cobre os olhos vítreos
E arranhados no alvorecer.

A última glória
Despida de glória.
A vida não vale.
E que por fim a tocha arda
Pesada no corpo
E nada dê aos homens
Que não a sombra dos anjos
E o engano constante
E precioso, de se continuar
A traição, de se continuar...


André Consciência

terça-feira, 3 de abril de 2012

Sol em Taurus




Uma chama lambe a forma vazia de conteúdo
A nossa fluidez correu com os touros
Nas planícies iluminadas do hospital
Uma mulher em gesso, nua
O touro firma os seus cascos
Chegado à terra, o homem lembra-se
Que aquele que não brilha com maldade
Será incapaz de bondade
Nos relógios
O Sol quebra o limite dos dias
E o touro finca-se
Os pássaros sopram
Na boca vaginal
Da semelhança
E um olhar apavorado
Trespassa, concentrado
A incompatibilidade.


Horned Wolf