Vou dividir este post em dois, e no primeiro, vou escrever sobre como foi possível viver sem o capitalismo. No segundo, como é, ainda, possível viver sem o capitalismo, pelo menos dentro de uma perspectiva consumista, em que nós próprios somos – mas sempre o fomos, devo pois antes dizer -, devemos ser produtos de venda. Um capitalismo em que qualquer um que não se encontre nestes parâmetros, é um alvo a abater.
O passado:
Julius Evola falava da Luz do Norte, de uma virilidade espiritual e de uma soberania olimpiana. Falamos também dos tempos em que a autoridade e o ícone da integridade era tanto divino como temporal, como temos ilustração nos faraós e nos imperadores. Segue-se o tempo dos monarcas em que o poder é simbolizado no líder militar, no guerreiro. Aqui o sangue é a honra, e esta honra a bandeira a ser seguida. Com o sangue, como Evola sabe ilustrar e muito bem, a lealdade, a fidelidade, e o dever.
Esta passagem da autoridade espiritual para a autoridade militar e política pode ser bem expandida com Max Webber, embora num prisma mais anárquico. Para Max Webber, o espírito do homem, de cada homem, movia-se num veio magico-mitico, de primordialidade e interacção com o divino, sendo que o advento a que chama de “desencantamento do mundo” se pôs com a racionalização e o intelectualismo destas mesmas relações entre o homem e o sobrenatural, criando pois a religião e uma forma monopolizada de coerção de um homem sobre o outro, e se Evola ilustra a passagem do espiritual ao sangue, do divino ao guerreiro, webber fala-nos da passagem do feiticeiro ao sacerdote, do espírito ao politico. De seguida, das doutrinas religiosas passa-se a um quase niilismo científico, este desencantamento que continua a levar o homem a suplicar por um significado espiritual que o preencha, quando na antiguidade interagia naturalmente com esse significado, havendo trocado presentemente o sentimento de realização pelo sentimento da própria suplica. Estas são as características do capitalismo. Á semelhança deste exemplo, o capitalismo afirma que o homem, em comunidade, deve viver como um canibal de forma a sobreviver, quando na verdade o canibal há muito que sobrevive para comer.
“uma das limitações da ciência mais difíceis de aceitar é justamente essa sua incapacidade de nos salvar, de nos lavar a alma, de nos dizer o sentido da vida num mundo que ela desvela e confirma não tendo em si, objectivamente, sentido algum”
O segundo colapso deu-se quando se trocou o sangue pelo papel, e a honra pelas notas. A autoridade abandonou o guerreiro e escolheu o mercador. Com a revolução burguesa, o contrato social deixou de contemplar a honra e a fidelidade para abraçar a economia e o utilitarismo. A democracia mascarou a tirania do rico sobre o pobre, por debaixo de bandeiras de liberdade e igualdade. O banqueiro e o industrialista na linha da frente das nações europeias. Até que, com a exaltação das classes baixas, o ideal passa a ser o trabalho e apenas o trabalho, quer este seja intelectual ou físico, e nunca o acto livre, independente, o trabalhar e nunca o Agir, sendo o chicote que impulsiona o escravo, num mundo capitalista e consumista, o vizinho, e aquele individuo pelo qual passámos na rua; se paramos para agir como livres pensadores, é assim que diz o mito, eles devoram-nos. O mundo, diz-nos esse mito, é uma máquina trituradora e a alternativa a movermo-nos ao seu ritmo é a morte ou a miséria.
“Os princípios dominantes do homem são aqueles da parte material das hierarquias tradicionais: ouro e trabalho. Isto é como as coisas são hoje; estes dois elementos, quase sem excepção, afectam cada possibilidade de existência” Julius Evola
“The only demand that property recognizes, is its own gluttonous appetite for greater wealth, because wealth means power; the power to subdue, to crush, to exploit, the power to enslave, to outrage, to degrade, turning the producer into a mere particle of a machine, with less will and decision than his master of steel and iron.” Emma Goldman – Anarchism and Other Essays
E prosseguindo, como Ernst Jünger explicaria no seu Anarch, a liberdade é a marca da liderança humana, dando o exemplo de Sócrates, que não era livre apenas por si mesmo, mas por todo o povo. Assim os grandes lideres militares eram seguidos e admirados pelo seu povo, eram, também, os poetas épicos do acto. A barbárie, seria, pois, um estado mais nobre e natural do que um capitalismo dissimulado. A liberdade espiritual e a espiritualidade marca o ser humano e distingue-o do animal, a inteligência sendo apenas uma forma aguçada do instinto. O Estado não é uma marca humana nem natural porque não é uma marca livre nem espiritual, mas é um produto intelectual que não estava cá, e que poderá voltar a deixar de estar.
“Once connected with life, the formative principles repeat themselves. They float as germs, as possibilities in life's undifferentiated stream. This explains the constantly repeated attempts at state-building in the coelenterates, all the way from the primeval animals. Freedom in the spiritual sense first entered into the stream of life with man. From now on freedom also cannot be lost. In this respect we can concur with Hegel.”
Ainda, Novalis acredita no medievalismo monárquico mas sobretudo clerical, em que a cristandade devolveria o encantamento a essa Europa desencantada de Webber, pela unidade numa só doutrina e num só conjunto de crenças, unindo numa religiosidade mística a economia, a politica, a cultura e a sociedade, conferindo simultaneamente transcendência social.
“Belos, esplêndidos tempos: a Europa era terra cristã, e a Cristandade habitava una este recanto de mundo humanamente configurado...”
A entrada do capitalismo, do mundo dos negócios e da instrumentalização mercantil e a doença visceral pela propriedade, numa visão do mundo sem poesia, magia, ou espiritualidade, vem contaminar a Europa.
E com isto Novalis dá-nos uma das citações mais góticas e pós-iluministas que eu conheci:
“O ódio à Religião (...) transforma a música do universo, infinita e criadora, em um matraquear uniforme de um moinho monstruoso que é impulsionado pela tempestade do acaso e, nadando sobre ela, é um moinho em si, sem arquitecto ou moleiro, e na verdade um autêntico perpetuum mobile, um moinho que mói a si mesmo”
Interessante é todavia observar o panorama actual, e ver na sombra desse caos a luva da Luz que vem, essa Luz do Norte, passagem do caos para a primordialidade, liberdade e verdade. Se, de certa forma, o intelectualismo exagerado marcou a nossa queda da Era Dourada, e o homem continuou depois a “cair” ao ponto da supressão desse próprio intelectualismo para a desordem e a confusão, no silêncio que segue os estoiros o véu deixará de arder para que o homem possa novamente ser fogo.
"I must create a system or be enslaved by another mans; I will not reason and compare: my business is to create." - William Blake
"Capitalism is the astounding belief that the most wickedest of men will do the most wickedest of things for the greatest good of everyone." - John Maynard Keynes
*dedicado a pUnChdRuNk-LoVeSiCk
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