quarta-feira, 4 de março de 2009

Sede


Poetas mortos nos rochedos. Observo nos espelhos. Sem roupa, o corpo mudo e carnudo. Com vergonha. Rubor sem som. Oferece uma concha. O vazio a ecoar. Ela estende a mão nua. Os ossos por debaixo. O azul. Ardor nos globos brancos. Ela esticada com formas. Apanha o objecto. O vazio a ecoar com força. Sentem-se felizes. É como se a praia fosse deles. De noite, nas paragens do silencio do tempo. A noite é deles. A solidão. Sentem-se felizes. Juventude eterna. Todos os fins a procriarem mais um. Frio. A tremer. Os tendões a gritar. Aponta para uma estrela. Faz dela uma concha. A luz gritante da estrela no silencio dela. Odeio-me. Os lábios cerrados. Todo eu. Os lábios cerrados. Engolidos. As memórias não salvam. Ela canta nos meus olhos. A minha vida é nos olhos cerrados. A intensidade febril dos bichos da madeira. O silencio azul. A madrugada sem testemunha. Ela. O pé despido fincado na areia. Ele. Comparam as pegadas. Ele. Ri-se. O ruído das ondas. Ri-se. Ouço só as vagas. A espuma. Apatia. Quero rasgar tudo. Observo nos espelhos. Os ossos. Os ossos estavam vibrantes. As pernas eram velozes. Correm. A areia. Entulho. Madeira negra. A flutuar no mar. Riem-se, surdos. Quero gritar. Observo nos espelhos. O azul. O silêncio. O sangue. Os ossos. Riem-se. Surdos. O entulho. Queimam o entulho. Frio fugidio. As mãos, sempre uma na outra. Bailam. Os dedos. Ele adora os dedos. Fome de viver. O roupeiro. A intensidade febril dos bichos da madeira. Destroços. Sentem-se felizes. Juventude eterna. Magia. Testemunhas da madrugada. Ruído contínuo da luz. Agulhas. Pardais. Neblina. Os dedos, e ele a adorar os dedos. Ela. Está quieta, atenta ao respirar do rapaz. Queimam o entulho. Fogo. Escuto-o e não tem som nem calor. Deitam-se. Em redor da luz. Como agulhas. Lutam, riem. Não alcanço as vagas. Não consigo dormir. O sussurro desassossegado das vagas. Sem ar. Beijam-se. Beijam-se. Beijam-se. O azul. Observo nos espelhos. Beijam-se. Os lábios sumidos. Fantasmas secos. O azul das lágrimas. Lua. Observo. Frio avassalador. A neblina. A neblina limpa tudo. O gelo das noites. Sentem-se felizes. O estrondo mudo das vagas, do fogo. Observo nos espelhos. O gelo das estrelas. Suspiros longínquos, como garras. Os nossos beijos. Fantasmas molhados. Como qualquer outro.



* imagem de Phallucifer Babalith

Sem comentários:

Enviar um comentário