sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
Alma
Video : Possession (Andrzej Zulawski, 1981, starring Isabelle Adjani & Sam Neill)
Music : Kaneda - Monarchs and Heretics (2008)
Curiosidades:
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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
Ano Novo
.
.
A planície infinitamente verde espanta-se
Com a massa negra de blocos brancos
No seu seio de prédios.
Se o corpo nos arde, para virmos à cidade
Apanhar os risos frescos
Sabemos a sua invenção
Sós e com a nossa violência
De inocência e perversão.
A memória do silêncio e o espaço da neve
Tudo substituído pela companhia
Das campainhas dos apartamentos.
As pessoas sentam-se alheadas e imóveis
Nos buffets, e o prédio em frente bate
Inesperadamente, contra o Sol,
Iluminando as ruas num clarão.
Na planície infinitamente verde
As sombras abrem-se
Em promessas às searas.
A noite recolhe-se à primeira lâmpada
Das avulsas casas.
O silêncio atira-se aos gritos
Contra os milhafres cegos,
Vindo do fundo da terra
Com o negro escorrimento das raízes.
De noite, o céu é de um azul claro
Que passa devagar.
Tento erguer-me contra este vulto
De não coisas, reúno as vísceras
Da cólera e os ossos do sangue,
A solidão do urro e o abandono da urgência,
E fico, para minha surpresa, só com medo
Com pena de mim mesmo.
A boca, os olhos, os ouvidos
São coisas de afogar,
O mofo esponjoso, o silêncio selado.
A vida senta-se sobre mim e sobre
A massa negra de blocos brancos,
Senta-se, loira, risonha e abundante
Com o seu peso de coisas a renovarem-se
Em constância, sobre a nossa mortificação.
Atira-nos olhares clandestinos, para que imaginemos
Como será a sua submissão no prazer,
Todos cabemos na sua grande vaginação.
Oh, memória agora, de ti,
Uma vontade de chorar estremece à tua volta
E eu tenho um desejo vaporoso de me tornar
Num halo de consolação.
Mas tu foste embora, com as luzes da cidade,
E onde te imagino suponho estar eu,
Ponho a tocar para nós Mozart, depois Bach,
E sento-me sobre o piano, ignorando os trovões
No infinito verde, e os comboios, no infinito
A preto e branco.
É belo ouvir-me nesta hora breve,
Eu, que inventei o Inverno,
E as pérolas que se fecham no silêncio
Para imaginar que as minhas mulheres o são
E não simples rameiras mortais,
Com fedor a medo e vil sobrevivência.
Sofro pela noite e escrevo, enquanto
Um coral de reis e rainhas dança no meu centro
Com deputados e ministros sob as botas reais,
Procuro chegar até à minha fadiga
Para que se ouça o Piano melhor.
Desconfio que o quarto da pensão existe todo
Dentro do cigarro, silêncio adentro.
Horned Wolf
.
A planície infinitamente verde espanta-se
Com a massa negra de blocos brancos
No seu seio de prédios.
Se o corpo nos arde, para virmos à cidade
Apanhar os risos frescos
Sabemos a sua invenção
Sós e com a nossa violência
De inocência e perversão.
A memória do silêncio e o espaço da neve
Tudo substituído pela companhia
Das campainhas dos apartamentos.
As pessoas sentam-se alheadas e imóveis
Nos buffets, e o prédio em frente bate
Inesperadamente, contra o Sol,
Iluminando as ruas num clarão.
Na planície infinitamente verde
As sombras abrem-se
Em promessas às searas.
A noite recolhe-se à primeira lâmpada
Das avulsas casas.
O silêncio atira-se aos gritos
Contra os milhafres cegos,
Vindo do fundo da terra
Com o negro escorrimento das raízes.
De noite, o céu é de um azul claro
Que passa devagar.
Tento erguer-me contra este vulto
De não coisas, reúno as vísceras
Da cólera e os ossos do sangue,
A solidão do urro e o abandono da urgência,
E fico, para minha surpresa, só com medo
Com pena de mim mesmo.
A boca, os olhos, os ouvidos
São coisas de afogar,
O mofo esponjoso, o silêncio selado.
A vida senta-se sobre mim e sobre
A massa negra de blocos brancos,
Senta-se, loira, risonha e abundante
Com o seu peso de coisas a renovarem-se
Em constância, sobre a nossa mortificação.
Atira-nos olhares clandestinos, para que imaginemos
Como será a sua submissão no prazer,
Todos cabemos na sua grande vaginação.
Oh, memória agora, de ti,
Uma vontade de chorar estremece à tua volta
E eu tenho um desejo vaporoso de me tornar
Num halo de consolação.
Mas tu foste embora, com as luzes da cidade,
E onde te imagino suponho estar eu,
Ponho a tocar para nós Mozart, depois Bach,
E sento-me sobre o piano, ignorando os trovões
No infinito verde, e os comboios, no infinito
A preto e branco.
É belo ouvir-me nesta hora breve,
Eu, que inventei o Inverno,
E as pérolas que se fecham no silêncio
Para imaginar que as minhas mulheres o são
E não simples rameiras mortais,
Com fedor a medo e vil sobrevivência.
Sofro pela noite e escrevo, enquanto
Um coral de reis e rainhas dança no meu centro
Com deputados e ministros sob as botas reais,
Procuro chegar até à minha fadiga
Para que se ouça o Piano melhor.
Desconfio que o quarto da pensão existe todo
Dentro do cigarro, silêncio adentro.
Horned Wolf
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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
Haifisch
Dedicado ao The Poisonous I
Great Whte Shark - Autor Desconhecido
Levou o irmão para junto às águas salgadas, porque houvera notícia de naufrágio. As pessoas agarravam-se umas às outras, apinhando-se e indo ao fundo, e viam-se barbatanas inquietas farejando à beira da tempestiva electricidade. Para lhe falar dos anjos que caíram, esperou que um tubarão saltasse à superfície e enfiasse um gritante naco humano, todo palpitante e a estalar vermelho, nas cerras dentadas, manipulando-o pelas mandíbulas. “Vê, que este tubarão tem lágrima, como o têm todos, e os oceanos salgam.” Disse-lhe, sem que ele compreendesse. “Essa lágrima é o filho de Deus, a segunda pessoa de uma trindade” fez-se continuar. “É impossível ver Deus, o que se vê d’Ele são os efeitos, também é uma revelação saber o choro do tubarão, porque vive já de si submerso nas águas.” Abanando a cabeça, procurou o outro disto a negação, e ripostou com uma interrogação: “Porque choraria?” E ele, personificando: “É do desassossego, se pára, morre. É do frio, o fundo do oceano é glacial. Porque se afastou de Deus, e só a ferocidade lhe resta como calor. Pranteia pelas vítimas de se haver tornado vitima. Como sabes, o tubarão é possuído de sangue frio, não sobreviveria aqui de outro modo. O frio só tocou aquele cuja essência se tornou. Olha, que Deus, no fundo do Oceano, está na fome, mas o seu filho na lágrima. No fundo do Oceano, é Deus que é visível e o homem invisível.”
Horned Wolf
Great Whte Shark - Autor Desconhecido
Levou o irmão para junto às águas salgadas, porque houvera notícia de naufrágio. As pessoas agarravam-se umas às outras, apinhando-se e indo ao fundo, e viam-se barbatanas inquietas farejando à beira da tempestiva electricidade. Para lhe falar dos anjos que caíram, esperou que um tubarão saltasse à superfície e enfiasse um gritante naco humano, todo palpitante e a estalar vermelho, nas cerras dentadas, manipulando-o pelas mandíbulas. “Vê, que este tubarão tem lágrima, como o têm todos, e os oceanos salgam.” Disse-lhe, sem que ele compreendesse. “Essa lágrima é o filho de Deus, a segunda pessoa de uma trindade” fez-se continuar. “É impossível ver Deus, o que se vê d’Ele são os efeitos, também é uma revelação saber o choro do tubarão, porque vive já de si submerso nas águas.” Abanando a cabeça, procurou o outro disto a negação, e ripostou com uma interrogação: “Porque choraria?” E ele, personificando: “É do desassossego, se pára, morre. É do frio, o fundo do oceano é glacial. Porque se afastou de Deus, e só a ferocidade lhe resta como calor. Pranteia pelas vítimas de se haver tornado vitima. Como sabes, o tubarão é possuído de sangue frio, não sobreviveria aqui de outro modo. O frio só tocou aquele cuja essência se tornou. Olha, que Deus, no fundo do Oceano, está na fome, mas o seu filho na lágrima. No fundo do Oceano, é Deus que é visível e o homem invisível.”
Horned Wolf
Cubismo Hermético
O Pintor e o seu Modelo - Georges Braque
Solto dos ramos derretidos
O Sol acorda-me pela vidraça
E transpõe os instantes que o frio
Cristalizou.
Filetes de água de uma gravura,
Que se destrói.
Uma toalha brilha em alegria
Dentro da bacia.
Cobre-lhe a boca
A minha roupa desmanchada -
A cadeira abandonada à dormência da manhã.
No espelho não há frio e abro a janela.
A invasão do Sol sem tempo
Um estranho mundo de plástico.
Golpes avulsos ressoam nuvens num céu de vidro.
Portas que se transformam em lenha,
A lenha em lume.
Subitamente, o pátio ecoa pelo buzinar forte
Os ramos de azevinho consomem-se também
Nas dobras dos sinos.
Horned Wolf
domingo, 26 de dezembro de 2010
Os Sete Anos de Fome
Os Sete Anos de Fome - Friedrich Overbeck
No dia em que Adão saiu para fora da bíblia
Comeu barro e bebeu água, pôs-se a pensar
Com os olhos além da carne e da memória.
“Serei”, afirmou, "o primeiro materialista,
Uma música que atravessa a vidraça,
Um raio de sol que se ouve pela primeira vez,
Uma dimensão absoluta que cada noite possam
Abrir lá ao longe, numa vaga de luar:
Não há nenhum mistério nisto
Pois é bem sabido que a vida vai
Para além da memória
E nascia já nos espaços desertos muito tempo
Antes de se haver tomado a morte,
Era então a visão de uma plenitude sem risos."
A harmonia ignota da sua presença imediata,
Logo que se pôs a ruminar, esvaziava-se.
De pólo em pólo, os an(j)os vibravam assim como corda
E com eles, de Adão, os longos olhos retumbantes.
Esvaziava-se e persistia, porque persistir
É ficar íntimo, nu e humilde. Imaginou
A primeira Jerusalém Celeste sem livro
E embora fosse ele morto, a cidade
Era nossa, da voz que era sua, e que éramos
Nós, ele ouvia-se e perguntava-se
Afinal quem era.
Não há consumismo que do eco não venha.
Dentro da nossa inquietação, Jerusalém é real,
Raízes de sombras, tudo o resto miragem.
Horned Wolf
sábado, 25 de dezembro de 2010
Ser ou não ser não é a questão
Untitled - Zdzisław Beksiński
A tarde cessara quando saí.
A chuva escurecia rapidamente.
O destino pôs-se a percorrer a cidade perturbada.
Do outro lado, o cansaço trazia um corpo húmido, morno;
O sangue trazia as mãos.
O esquecimento absoluto e o absoluto da ressurreição
Desciam - ligados e siameses - a ribanceira,
Anunciando um subterrâneo pleno.
Eu fugia de mim como se me agradasse também
Percorrer as ruas, e doíam-me subjacentemente
Os ossos das unhas; a água entre nós
Formava pátios, jardins, portas, gradeamentos,
Muros, janelas vazias, gente movimentada,
Céus de esponja, tudo da cor das luas.
O vento inventava-nos olhos cerrados, cólera
Obscura.
Passo pela grande ruína no coração da cidade
Os seus destroços fazem brotar coroas
Como frutos, porque todas as coroas
Provêem do triunfo da ruína.
As crianças fogem, estrugindo na lama,
Os carros brincam em poças pretas.
O silêncio fumega terras ensopadas,
A noite ameaça os vidros entre tudo:
Se as luzes não se acendessem, nunca a noite
Chegaria.
Deus é uma consequência
Da criação.
Ponho um disco no aparelho: “We’re here
Because we’re here.” Ah, seja o meu mal
E sendo suave
Como carícias de folhas de árvore, sexo e mel,
Cause dano à consciência, fissura.
É assim, não vamos ao sono
Sem que Deus esteja com isso satisfeito,
Depois esquecemos Deus
E não vamos ao sono de todo:
Existimos, e isso é que é o sono.
E isso é que é um cadáver de Deus:
Esqueçamos essa carcaça,
Esqueçamos existir,
A ver o que é afinal.
Ponho um disco no aparelho, e do centro da música
Arranco à socapa as flores, talheres, lâmpadas, móveis,
Pratos de sopa, copos de cristal, exposições de arte
E fios de aço. Nisto é que um homem lhe resta
Estar lúcido, e se nele raiou algum vislumbre
Do que é o futuro: a presença de nós próprios
Como alarme do sonho, a interrogação submersa
Na intimidade, como se não escrevesse aqui,
Porque deixou de haver pedra e cardos,
E jazemos dentro das pedras e dos cardos:
A cidade irreal num cerco à terra,
A imaginação sem erguer cidades, mas erguida
Da cidade já de si fantástica, astros, que se põem tão alto
Quanto as chaminés, ah esqueçam! Danem-se
Os espectros das civilizações passadas, esta é a finistérrica
Civilização do espectro, ah cidade! Que é chão e céu
Como uma brilhante cascata de luzes, há só uma morada
De lâmpadas fundidas e todas as outras em fila, nela se esquecem:
Nessa é que eu morava!
As fachadas erguem-se das vozes falecidas, as galerias
Multiplicam-se. Como num labirinto, de volta de um
Apeadeiro.
As esquinas adormecem nas lâmpadas,
Onde quer que seja o fundo.
Horned Wolf
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Vozes da Encruzilhada
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
Transfiguração de Jesus
Transfiguração de Jesus - Teófanes, o Grego
Todos os dias o cão ladra para uma janela que se não abre.
Aconteceu uma memória, a revelação abala a chuva.
É o passado que faz vibrar a natureza, a manhã solar,
O Verão opressivo, Março a atirar-se pelos ventos
E a Lua sem conseguir, no silêncio, parar de cair,
As massas nubladas, a música fria e cristalizada
Que povoa, e abre as esferas no labirinto dessa chuva
Que é aura.
Todos os dias o cão ladra para uma janela que se não abre,
E sabe não haver retórica possível.
A vertigem baloiça-se nas massas cinza
Por dentro da janela, a água forma horas e salas de jantar
E fizeram praças nos locais inatingíveis.
A colina desce as casas em toalhas aquosas
Os prédios adentram-se pelos sinos das Igrejas
Ninguém o vê, mas o cão percebe, e ladra.
A água cai, sim, mas é gente silenciosa
Que se levanta dela.
Nas livrarias, o chão de tábuas apodrece de humanidade
E o vento atira-a pela porta.
Eu gritei aos astros até enlouquecer
E a consciência esgotou até às fezes
A minha condição animal.
Todos os dias o cão ladra para uma janela que se não abre.
Horned Wolf
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
O Sol Treme
Homem de Vitrúvio - Laonardi da Vinci
A luz a estalar o crânio. Imaginei
Que o Sol se enchia de terror.
Nessa prolongada meditação
A gordura que me enchia o rosto contente
Espalha-se pelos campos que se estendem
Até perder de vista, um clarão acende
O oxigénio, e o mundo aparece
Uma absurda estupidez.
Ó, é que não há nenhum esforço
Em nascer, mas para morrer
É necessário o esforço total
Do não esforço de nascer.
Toda a gente sabe, que qualquer criança
Assusta o Sol até à velhice.
As carroças, com homens de pénis
E alecrins na mão, perfilham
Martelando a memória da cidade
De terra e de estrume:
Isto, o Sol não sente em si
Tanto quanto sente a penumbra
De um quarto, como ela é
Para uma criança
No seu terror as secretárias estampam-se
Nas lâmpadas dos candeeiros.
O Sol todo treme, quando
No fundo da noite, uma mulher
Fala alto – isto é tão sobrenatural
Que nos é proibido falarmos sozinhos:
Significa que o céu não é o lugar do Sol.
Por exemplo, o oriente tem sempre varandas
Onde a noite absorve mais o fresco abrasador, que nas outras
Varandas. Aí, as serras gostam de se colocar por detrás
Das luas breves, à espera dos silêncios ásperos de Antares
E das melodias dos espaços no grande vazio das órbitas.
Se olharmos para cima, percebemos as estrelas deitarem-se ao comprido
Para nos verem melhor, pensamos que pensamos tudo isto,
Sem na verdade o ver, até ao dia que na escuridão
Um espelho nos diz sermos um ladrão.
Por isso, quando o Sol se apercebe de si mesmo num homem,
Aterrorizado, destruirá a sua civilização, mas os ralos
E os grilos, permanecerão de noite, o céu em plena Lua
E a sabedoria não terá piscado um olho. O calor
Crepitará nas coisas que pairam, e as cigarras
Estalarão.
Por exemplo, uma pedra não significa nada
Se for sabida de cor, uma madeira, ou uma estrela,
Mas no nada que significam, não são iguais umas às outras.
Sobretudo isto aterroriza o Sol, até que,
Rendendo, se arda.
Horned Wolf
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
Casa Sem Paredes
Rooms by the Sea - Edward Hopper
Não haver ninguém nos céus
É que te fez, como a um grito
Contra o mesmo angustiado.
Na tua vida há o teu canto
Só, o mistério da violência
Do sangue, a vitória do desastre.
A loucura ilumina-se
No ardor do teu canto
No pecado ácido do teu olhar
No esguio corpo da tua lembrança
Á luz do meu Inverno
Nos domingos pelos campos
As abobadas coalhadas na tua súbita
Imagem.
Depois, o frio mineral das catacumbas
Perfuradas estivalmente por explosões de palmeiras.
No céu sem ninguém habitam granadas
O mar torna-se castanho como a planície
Uma luz inquieta mastiga-te os olhos
És como a minha terra, difícil de desvendar
Como um silêncio de revoluções subterrâneas
As tuas mãos e as minhas são calor
Triste. A nossa nudez saciada na tranquilidade
Cálida do chão.
Nada em ti está seguro, não és de tempo algum
Nem dos lugares, somente aparição.
Horned Wolf
sábado, 18 de dezembro de 2010
Tango to Évora
Vede, a cidade, e como continua branca
Plantaram na planície ruínas, semearam
Nas ciladas, ruas. Ocultaram-nas com santos
Partidos por muitas eras, e nichos de arcos
Évora está dorida com a lembrança,
Com o vento que fustiga as vozes de sonho
Do ossário dos homens, Évora
Uma gigante encruzilhada mortuária
Um luar silencioso e luminoso
Encostado ao vazio do casarão do espaço
E da desolação.
A manhã ao Sol mórbido, descobre
Os camponeses em espiral, cantando
Uma tragédia calada nas colunas em coral
E na floresta móvel que Diana atravessa
Suspenso de memória e sem ruído
Um murmúrio oblíquo desce as velhas ruas
A passo apressado, à procura de outras
Mais obscuras, na busca dos contornos
Da face estranha e intocável
Que errou as construções.
Que contou a evolução da vida
Para a explicar, mas nem eu, nem Évora
Somos nós, anjo que se passou por criança
Anjo que não deixou passar a cidade.
A noite da Lua é lavada por um grande Setembro,
Uma oração mutilada habita os claustros longínquos
A manhã não passa e as ruínas da planície
Ganham ar de planície. As rosas do Verão
Também não cessam de morrer nos jardins verdes
E no lago há uma antiga taça de mármore
Que bebe, sem parar, os pombos,
Com fortes descargas de água.
A planície é tão imensa, que um homem,
De pé, sente-se deitado, e quanto isto mais é
Mais a planície ganha contornos de mar
E estar deitado, de o olhar do topo
Da falésia.
Abandonado ao Sol, assobio,
Como uma criança, como uma fita negra
Ao longo da estrada. As coisas pousam
Ao de leve, na melancolia do Sol
Porque arrefeceu repentinamente,
As folhas secas sopram em coro
As andorinhas baloiçam nos fios eléctricos
E os seus olhos tornam-se distância.
Horned Wolf
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
O Assassino
.
.
Sento-me aqui, e o vazio relembra-me,
Uma sala quente de Verão, uma jarra
Iluminada pela Lua da varanda.
Flores, no quarto de estar.
Na água da velha casa o chão da Lua
Adormece-me devagar
A inacessibilidade da lembrança
É o cedo esquecimento.
O vazio relembra-me, como uma noite ofegante
Enorme e deserta. A minha voz primordial
É o lento respirar de um morto.
A aragem quente não me banha a face.
As quintas dos cães tão escuras…
Os insectos iludidos pelo Sol
Colam-se defuntos no meu corpo
Quebra-se a cadeira perdida,
Quem me dera que se quebrasse,
A cadeira partida, o cinzeiro de vidro
Onde deito as mãos inertes.
A palavra está morta, eu a escrever
A respiração lenta dos ossos sem suor
Nem rosto que fosforesce, nem espírito
De vapor ou lenda, nem água, nem fronte
Nem dedos. Ilumino-me
Vigilante de mim mesmo em haver morrido
Nada há de mais funerário
Do que aquele que a si mesmo se ilumina
E afugenta os predadores seus semelhantes
Ser um eco sem voz originária
Ninguém nos amar com o olhar, nunca
A nós.
Habito-me, como um pedaço de evidência de um crime
O mundo ilumina-me porque o mundo só ilumina o que passou
Ninguém, do mundo, me ilumina, vejo finalmente,
E vejo só os meus olhos, assassinei-me
Quando estavam tristes
Mas os olhos que os olham
São duas feridas de tubarão.
Amei, fumo a fugir-me embrutecido
E fui surpreso, e fui ridículo,
Porque nada depois da infância foi feito
Para ser autêntico, e eu a minha infância
Não a tenho minha: outra razão
Outro génio habitava então
Este corpo. Os outros não me olham
É impossível que me olhem os outros
Olham os astros, a Terra, a sala, a realidade
E eu não sou astros, nem terra, nem sala
Nem realidade, nem eu. Tive sonhos
Infinitos, ideias, morava-me tudo o que
Da treva se escondia, como é possível?
Quantos sonhos, ideias, memórias?
Quantos deuses e prodígios de invenções?
Um mundo inteiro à minha imagem
Pronto a desabar como um túmulo imprevisto.
A complexidade do mundo toda amealhada
No meu sangue: e julgava então
Haver não, um mundo absoluto
Um futuro absoluto, que o brilho dos astros
Não era o silêncio da sua morte, que as mãos
De um amor, não eram as mãos de um aceno
Para acenar adeus.
O milagre instantâneo ser a falsidade
De o ter vivido, e isso não ser instantâneo.
O corpo escorre-me pelas gotas frias
Do céu quente, tudo o que nasceu,
Tudo o que vi e vivi, nunca nasceu
Lavo as mãos e elas não se apagam
Tenho pena de ter mãos porque ter mãos
É não poder ter mais nada.
Há um luminoso halo de silêncio mineral
Lavo nele as minhas mãos e as minhas mãos
Não se apagam: a porta da sala, o rangido da mulher
Sombra esfumada e fumada, com aroma
A uva seca. Sonha ao meu lado, estende os pés
Ao luar das varandas: passam muitos anos no limiar
Da sua presença: a noite está deslumbrada
E angustiada, porque hoje tomo as tuas mãos
Como as tomava antes da primeira palavra
Ser pronunciada na Terra.
André Consciência
.
Sento-me aqui, e o vazio relembra-me,
Uma sala quente de Verão, uma jarra
Iluminada pela Lua da varanda.
Flores, no quarto de estar.
Na água da velha casa o chão da Lua
Adormece-me devagar
A inacessibilidade da lembrança
É o cedo esquecimento.
O vazio relembra-me, como uma noite ofegante
Enorme e deserta. A minha voz primordial
É o lento respirar de um morto.
A aragem quente não me banha a face.
As quintas dos cães tão escuras…
Os insectos iludidos pelo Sol
Colam-se defuntos no meu corpo
Quebra-se a cadeira perdida,
Quem me dera que se quebrasse,
A cadeira partida, o cinzeiro de vidro
Onde deito as mãos inertes.
A palavra está morta, eu a escrever
A respiração lenta dos ossos sem suor
Nem rosto que fosforesce, nem espírito
De vapor ou lenda, nem água, nem fronte
Nem dedos. Ilumino-me
Vigilante de mim mesmo em haver morrido
Nada há de mais funerário
Do que aquele que a si mesmo se ilumina
E afugenta os predadores seus semelhantes
Ser um eco sem voz originária
Ninguém nos amar com o olhar, nunca
A nós.
Habito-me, como um pedaço de evidência de um crime
O mundo ilumina-me porque o mundo só ilumina o que passou
Ninguém, do mundo, me ilumina, vejo finalmente,
E vejo só os meus olhos, assassinei-me
Quando estavam tristes
Mas os olhos que os olham
São duas feridas de tubarão.
Amei, fumo a fugir-me embrutecido
E fui surpreso, e fui ridículo,
Porque nada depois da infância foi feito
Para ser autêntico, e eu a minha infância
Não a tenho minha: outra razão
Outro génio habitava então
Este corpo. Os outros não me olham
É impossível que me olhem os outros
Olham os astros, a Terra, a sala, a realidade
E eu não sou astros, nem terra, nem sala
Nem realidade, nem eu. Tive sonhos
Infinitos, ideias, morava-me tudo o que
Da treva se escondia, como é possível?
Quantos sonhos, ideias, memórias?
Quantos deuses e prodígios de invenções?
Um mundo inteiro à minha imagem
Pronto a desabar como um túmulo imprevisto.
A complexidade do mundo toda amealhada
No meu sangue: e julgava então
Haver não, um mundo absoluto
Um futuro absoluto, que o brilho dos astros
Não era o silêncio da sua morte, que as mãos
De um amor, não eram as mãos de um aceno
Para acenar adeus.
O milagre instantâneo ser a falsidade
De o ter vivido, e isso não ser instantâneo.
O corpo escorre-me pelas gotas frias
Do céu quente, tudo o que nasceu,
Tudo o que vi e vivi, nunca nasceu
Lavo as mãos e elas não se apagam
Tenho pena de ter mãos porque ter mãos
É não poder ter mais nada.
Há um luminoso halo de silêncio mineral
Lavo nele as minhas mãos e as minhas mãos
Não se apagam: a porta da sala, o rangido da mulher
Sombra esfumada e fumada, com aroma
A uva seca. Sonha ao meu lado, estende os pés
Ao luar das varandas: passam muitos anos no limiar
Da sua presença: a noite está deslumbrada
E angustiada, porque hoje tomo as tuas mãos
Como as tomava antes da primeira palavra
Ser pronunciada na Terra.
André Consciência
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
Sombra Fresca da Terra
Gostava que cantasses, mãe
Debaixo da rocha, e na falta que nos faz
Os que partiram estarem.
Gostava que cantasses, mãe
No cruel abandono dos bosques
Onde pernoita o horror
E soltasses de ti
Uma ‘sperança, um fulgor,
Uma luz contínua e escorrida
Que acreditasse o amor.
Gostava que cantasses, mãe
Nas lágrimas, dos macacos-narigudos
Morcegos-raposa e folhas de palmeira,
No rio, que chilreia,
Na cidade com dor-de-peito,
E no solitário que dorme
Sem leito.
Gostava que cantasses, mãe
As palavras de consolo,
De toda a fatalidade, inexorável
Ou me soltasses do mundo
Como o que sou, um projecto
Irrealizável, e que passou.
Gostava que cantasses, mãe
Existir eu, e em mim nem tu
Nem ninguém.
André Consciência
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
Estou Aqui...
Sem Título - José Sérgio Holanda
Gosto de respirar, deitado na minha cama, enquanto todos dormem. Só com os momentos que ultrapassaram a morte e fazem parte do silêncio. Imagino que brinco nas névoas da serra, e que me empoleiro nas árvores despidas. Que morri, e que ninguém o testemunhou. Existe só o lago quente no gelo, o vento mudo, e a vida toda que eu já vivi, mas sem continuação, porque sem fim. Pelas janelas embaciadas das casas de pedra, fico a sonhar vultos que se encontram para celebrar o amor que tenho em mim e que não morre. Que chegara finalmente o dia, em que deixavam de haver dias. O meu peito jorra todo em neve que derrete e levanto-me para escrever na certeza segura de que ninguém me alcança através destes vidros.
Horned Wolf
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
sábado, 4 de dezembro de 2010
O Quinto Cavaleiro
Le Blanc-Seine - Rene Magritte
Vem cavalgando em terra albina
O defensor da cavalaria do Sul
Ele traz sete espadas, escudo no braço:
O Anjo que o guia, e se faz seu regaço.
No horizonte escureceu
A luz que se despedia
Vi chegar não sei quem
Acender um livro
Para os cegos.
Para salvar os campos de batalha,
As sereias do mar.
E quem o chama é São Miguel,
Que manda na terra,
Quem está de ronda é Gabriel,
As ninfas do luar.
Por entre os bosques, as dunas
E as serras, passaram as nuvens,
A espuma das ondas,
E ele pôs-se a beber, e ele
Pôs-se a fumar.
Há-de chegar o dia em que as vagas
Pararão de lhe cantar.
Horned Wolf
terça-feira, 30 de novembro de 2010
Song of Love
Song of Love - Rene Magritte
I
As vezes que te vi dançar já chegaram
Para me dar a vida. Mas eu desejava
Ser árvore na tua guitarra. Que tu olhasses
Para mim sem o peso do mundo existir
Que a água que anima o rio
Nascesse toda e abafasse o mar.
E abafa o mar.
II
Já não queres ouvir mais poesia. Direi as coisas de outra maneira. Olha, este é o meu papel, e já traz a tinta, com estrelas, e o pincel, de vivê-las. Não é sobre ele que eu vou falar: o papel é um jardim junto ao Tejo, no Oriente. Espera, estamos a ver o fim dos dias juntos (podia ter sido qualquer vez que olhássemos para o que no outro olha). As luzes falham. Já imaginaram, se houvesse uma noite, em que nem uma única chama se mantivesse acesa? As coisas cá de fora são todas uma brasa incandescida: porque entre nós passa uma água fresca e etérea, lembras-te? Nunca chegará o dia, em que eu me esquecerei do fim do mundo.
André Consciência
?
Entracte - Rene Magritte
Era dia, de Verão. Dia de Verão.
Uma borboleta lançava-se insistentemente
Contra o meu parapeito.
Não entendia a sua razão, procurava
Esconder-me.
E passaram-se os dias, e dessa borboleta
Saiu uma rameira: “Ó luz adormecida
Onde está, a tua ausência de vida?”
Gritou do rés-do-chão.
Horned Wolf
domingo, 28 de novembro de 2010
Aves do Além Mar
Severas, as aves do além-mar
Chamam por nós a navegar
A luz ténue do pensar.
Há mais terra para lá
De haver terra a consumir a terra
Há o que fica, o que nenhum mal
Leva.
Folhas, que caiem, que no pó
De si mesmas se subtraem.
Mas os nossos caminhos,
São aves, com ninhos.
O teu corpo move-se pelo reino
E nas muitas coisas que vêm.
Horned Wolf
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
Amado
No meu quarto vejo quartos
Com música, a cortina
Fica clara com o dia
Mais escura com a noite,
E o mundo lá fora
É isso no fundo.
De vez em quando estás
Em quartos, sozinha
A olhar as coisas de sempre
Só ai é que o meu corpo dói
Como se tivesse sido amputado.
Há vezes que estamos no mesmo quarto
Sem nos vermos e a pensarmos
Um no outro.
Há vezes em que estamos no mesmo quarto
A ver-nos, e ai não cortinas
São varandas com vista.
O mar está quieto, e há electricidade.
André Consciência
domingo, 31 de outubro de 2010
Chama Secreta
The Wounded Angel - Hugo Simberg
Quem é esta gente cantante
Que se instalou, na sala,
Em baixo?
Não tentes perceber o candelabro
Esta noite.
Não saias à rua, muito menos.
Há coisas sem manhã possível.
E as manhãs, de qualquer modo
Não servem de nada.
Cala-te, pois, e deixa as rosas
Murchar.
Em baixo, instalou-se gente
Que quem é?
Não procures perceber o candelabro
Na sua luz, esta noite, das noites,
Esta noite, é um candelabro sem luz.
Horned Wolf
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quinta-feira, 28 de outubro de 2010
...
A Calling - William Adolphe Bougeureau
O chão axadrezado, as paredes brancas, uma janela no tecto. Não me vou pôr a embelezar a coisa. Está incenso e luz de vela e lenço estranho com várias cores no altar. Eu com uma pia prateada nas mãos. Procuro não mostrar medo, para não desapontar os crescidos, todos de branco, eu de branco. Bem que podia usar um vestido de menina a ser baptizada – era mais... Falta-me a palavra. Era mais literal. A maior parte das vezes, na sua casa de campo com jardins delirantes, o velho está sozinho comigo, de negro, como um carpideiro, e espalha cinzas na minha testa e na dele para depois administrar a hóstia e fazer-me a queimadura e o sangue. Durante aqueles dias não posso deixar a sala, a Lua entra pela única janela (que está sempre fechada) e o Sol, no espaço frente ao altar, encandeando o resto da sala. Mas há um… Perdi-me. Há um pássaro, isso, um pardal que entra na sala hermeticamente selada, de vez em quando. Canta com muito eco e acaba por se ir embora. O velho dá-me de comer só pão e vinho e rosas (rosas, para não de me ferir muitas vezes). Hoje, ainda como rosas. Às quatro da tarde lê-me as escrituras e canta no que hoje julgo ter sido hebraico, mas não faço ideia, e fica ali, muito magro, a balançar-se para trás e para a frente, depois. Se me apanha a masturbar bate-me com a vara – é uma das coisas proibidas durante o tempo de preparação. Nos últimos dias traz o espelho e tem-me despido quando me lê as escrituras. Só aparece às 4 da tarde, mas a comida e a bebida só devem ser tomadas, restritamente, às 9 da manhã e às 9 da noite (a água várias vezes). Devo orar ao amanhecer até se estabilizar a manhã. Ao entardecer até se estabilizar a tarde. Ao anoitecer, e dormir de forma repartida, de modo que nunca restem vestígios do dia-a-dia. Uma vez chamou outras pessoas e chamou outras vezes. No dia em que o anjo finalmente vem e eu tenho de pôr a cabeça na bandeja de prata a primeira coisa são as fezes e a urina que não se controlam e o liquido seminal e a saliva e as lágrimas abundantes.
Horned Wolf
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terça-feira, 26 de outubro de 2010
Sabellum Rubro
As laranjas em tempo líquido
Para escorrer o teu corpo que escorre
A tua alma: Eu tenho memórias nos dedos
De se haverem criado amores e segredos.
É o teu cabelo que me pinta as mãos todos os dias
E este, é um segredo. Eu construo mundos
Portas e penedos, poemas, dramas e enredos
E, ainda que me imagines longe como os barcos
Apagados pela amargura do mar, as minhas mãos juntam-se
Aos teus dedos.
André Consciência
Sabellum Negro
Canção sem letra, um choro leve
No peso amplo da noite
Onde nos vemos a nós, pela rua longe
A falarmos devagar o som dos anos todos,
E os rios a passar pelos nossos passos
De cidadelas móveis em neblinas -
Pirilampos em cortinas.
André Consciência
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
L'Inexorable
Drama Mulch - Alexandra
ONDE O HÁLITO DAS MARÉS
Quando a braços cuspido, o beijo das marés
O meu desejo incandescente, engole. Chama
Que deus algum reconhece. A sua língua azul
Saliva e é carne sobre a incansável substância
Dos sonhos cansados de mim. Exausto, fracasso,
Prosperidade, e há luz. Versa o vento, a brisa
Cruel que ornamenta e esmaga a garguleante
E crua atmosfera de um abismo. Baixo, a solidão
Precipita-se. Então magnífico, o teu hálito guloso
E gelado, esplendoroso, enraivece-se e cede; então
Terrífico, o beijo das marés a braços recupera
E revela-nos, inefável, a chama que tudo lembrará.
Horned Wolf
Silence of the Wolves
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
A Arte é um Ofício da Morte
Six-winged Seraph (Azrael) - Mikhail Vrubel
Procuro o dia em que nada reste
Sobre o qual escrever, e a poesia se esgote
Talvez sem saber, que toda ela brota
Do não-ser.
Conto o tempo pelos aniversários
Estes iguais, e o mundo passa a correr
Uma miríade de sombras
Sem importância alguma.
Afundo-me na poltrona, e a poltrona
Me não mata. Fico à espera
Que o céu venha ter comigo
Fico à espera, que o céu me cegue
Para sempre, me arranque os filhos
E me cuspa o ventre.
Horned Wolf
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
A Lua & O Gnomo
Annunciation - Anton Raphael Mengs
Lembras-te, de quando escutavas o amor
No cais, e isso te atraia ao precipício negro
Das espirais aquosas? Dos sussurros, lábios
Na tua pele, e pernas em volta da cintura?
Ou o Sol nas mesas dos restaurantes,
Os papeis e escrevinha-los, ou as vezes
Que falavas, e as multidões te ouviam?
Lembras-te da Lua na pele vazia dos tijolos
Pelos quais passava a brisa, e do mocho
Que piava todo moído pelo vento?
Do vinho, e mais nítido ainda, era a sua forma de anjo
No berço das pratas, a pairar sobre ti
Enquanto pairavas? Das mãos gastas
De desgosto, e dos meses com canções
Que rasgam Agosto? Do fogo eterno
E à beira da morte, que guardavas mesmo quando
Te atingia o desnorte? Aqui onde estou
O céu é negro e a terra cinzenta. Eu tenho uma pedra
Na mão, de um violeta que cintila com o pulsar
Do coração. Lembra-te de mim como um cisne
Que morreu. E desta pedra espreita
A rotação das estrelas.
Horned Wolf
sexta-feira, 8 de outubro de 2010
Auto-Retrato
Anjo da Guarda - Bernhard Plockhorst
A sombra augusta do bosque
Em laivos a sombra azul
A serenata doente de uma ostra
Que amareleceu os braços dos amantes.
O buraco fundo, escavado em chuva negra
Mãos em espiral dos homens no Outono
E as crianças mornas que se enroscam no seu sono.
A cidade dentro da cidade, o fumo em constante
Cidade, um relvado de ossadas
Sob a labareda e a lunacia de Deus.
(Os seus olhos não descansam
E por isso lhe doem os ombros
Onde o peso das asas
Afunda todos os retornos.)
Horned Wolf
terça-feira, 28 de setembro de 2010
Evocação VI
Bride - Vibha Sahu
Por isso, [Judas Macabeu] pediu um sacrifício expiatório para que os mortos fossem livres das suas faltas (2 Mac 12,46).
És uma pirâmide amorfa com um homem de neve (zelator) a guardar a chama na base do atanor. Espreguiço-me dentro dessa serpente e pingo. Ou os pinheiros que contornavam a escola onde me via espreitar-me do outro lado do tecido da realidade com febre fria. Sobem línguas de fogo que tornam o teu triângulo em círculo. As tuas mãos estão cheias de objectos que eu tinha perdido na floresta e que queimam os olhos. No fundo, lembrar-me de ti é lembrar-me de mim. Dois círculos fechados um no outro são um. Ó gelo do meu arder, ó soltura das estátuas, ó carne das pinturas e silêncio dos dias colados às mãos: cantem-na, cantem-na para sempre, e eu descanso à sombra móvel do céu como o monte que rasga em paz o tempo. Somos máscaras da morte, ninguém nos trespassa. O teu rosto é belo e eu beijo-o com a força dos cometas. Adeus.
Horned Wolf
Evocação V
Paseo por Andalucia - Francisco de Goya
Deus, Senhor de clemência, concedei às almas de vossos servos e servas, cujo aniversário celebramos, um lugar de lenitivo para os seus tormentos, aventura de uma paz inalterável e o esplendor da glória eterna. Por Nosso Senhor Jesus Cristo. (Santo Afonso Maria de Ligório).
Decido fazer a quinta evocação enquanto ébrio. Surges do caos como uma dança árabe. Não tenho pensado nos teus pés até agora. Os teus pés eram o principal. Eles pisavam ao longo da praia. Depois dos teus pés na areia, ou no verde pintado do batelão, os livros que nós líamos e discutíamos. Nem antes nem depois, mas acima, os teus cabelos e os teus olhos de quem despertou demais. O teu sexo só depois das mãos e do pescoço e dos ombros. Do rosto. Contavas-me a história da deusa muitas vezes. Eu não acreditava nenhuma. Essa tua deusa é uma mulher qualquer, não a minha. Não contei a ninguém que morreste, sabes? Não existe ninguém fora de nós.
Horned Wolf
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
Evocação IV
L'Arcangelo Raffaele - Autor Desconhecido
Ó meu Senhor! Purifica-os das transgressões; as tristezas, desvanece-lhes e transforma a sua escuridão em luz. Permite que -entrem no jardim da felicidade, purifiquem-se com a água mais límpida e, no mais sublime monte, contemplem Teus esplendores. (‘Abdu’l-Bahá).
Alguém te comeu o estômago. O teu coração palpita descompassadamente e à vista dos olhos de todos. Por várias vezes os comprimidos com que evocavas a morte e que te beberam o sangue. Hoje já não queres partir. Assim, cada pulsar agita as larvas rebeldes que habitam o teu peito, que é para dizer que a tua respiração é um assobio atroz. Contorces-te no triângulo. Queres proteger o peito com as mãos delgadas e isso é um ataque à carne lívida. Eu conhecia um padre que morreu, ficou sem pernas num acidente de automóvel e morreu. Vestia sempre o negro e um chapéu de cowboy. Esse padre depois falava comigo e eu pedia-lhe que te cuidasse. Que te sarasse o peito – e às vezes o teu peito parecia ser só o que era, o leito puro, limpo e perfeito para as minhas lágrimas evaporarem e os meus beijos repousarem. Hoje continuas na mesma escuridão, continuas devorada, como um vampiro rendido. E eu olho-te a partir do meu casebre da arte, as minhas mão começam a sangrar. Se te viro as costas os meus olhos voltam-se para as minhas costas. Deixei de trazer a espada comigo, porque sei que se te olhar tempo o suficiente te matarás de novo. Não. O teu olhar doloroso e inteligente não espera nada de mim. É por isso que a tua carne sensível magoa a minha carne aérea. Uma espuma de heresias sopra do lábio ferido, sem que o movas. Tornas-te macia e suave, como a banha das larvas. Preparas-te para dormir.
Horned Wolf
sábado, 25 de setembro de 2010
Evocação III
Lunáticos - Cordélia Urueta
“A esposa roga pela alma de seu esposo e pede para ele refrigério, e que volte a reunir-se com ele na ressurreição; oferece sufrágio todos os dias aniversários de sua morte” (De monogamia, 10).
Através da única janela no tecto um pedaço de céu roxo condensa-se no triângulo com a velocidade a que a cinza dos incensos cai. És difícil de definir. Um conjunto configurado de uvas azuis ou como eras, excepto que vestida de um olho ciclópico e vulcânico. Todos estamos cansados. E isso lembra-me o mar e o barco quebrado que escolhemos enquanto assombramos o eléctrico alto mar. A sombra da Lua canta magnética. Não temos esperança, e isso agrada-nos hoje mais do que nunca. O barco é só uma desculpa para o naufrágio. Se apenas conseguisses quebrar esta Oroboros... Despimos-nos na Lua, hoje não te guardo rancor. Amo-te. Os teus seios, duas manchas de pus amarelado. Sim... Amo o bem, e o bem não te conhece. Já ninguém te encontra. Não chores.
Horned Wolf
Horned Wolf
Evocação II
Morte de Abel - Gustave Doré
"O pão duro que o pão tiver purificado e que a invocação tiver santificado, oferecei-o orando pelos mortos” .(Didaqué)
Hoje estás sentada no triângulo com uma saia vermelha (eu nunca te vi de saia vermelha) que cobre o piso axadrezado. É como se metade de ti fosse sangue meu e paixão. O redondo dos teus seios está nu, ou o oásis abdominal. Não estás a pensar em nada, e os teus braços erguem-se, os frágeis cotovelos formando um ângulo recto e dois mamilos de pele lisa. Consigo ver-te os olhos mais limpidamente que ontem, quase como quando estavas. Parecem fixos com mensagens secretas (se a água pudesse ser fixa), serenos e compassionais. Pouso a espada. Amanhã não vais morrer. Mostra-me o outro mundo. Somos crianças ainda. Crianças quase mudas. Não morreste primeiro que eu. A praia era quase a nossa pele. Não sei. A brevidade ondulatória sempre me recordou a eternidade. Não acredito que os mortos amem, muito menos os vivos. A vaga não pertence. Tens uma coroa de fogo e sempre que a pousas prateia. Os teus cabelos estão soltos. Mostra-me o outro mundo. Coisas que se esqueceram. Não sei. Nunca amei ninguém. Não sei. Amor é teres morrido e ficado para sempre com perfume nas mãos, e força de as trabalhar. Se pudesse colocar-me fora da minha eternidade repousaria a cabeça no teu colo e a tua barriga respiraria mais rápido, como costumava, e abriria as bocas de centenas de piranhas cegas para me devorar o pensamento. O pensamento. És tu. Por favor, mostra-me. O Sol chega fundindo as luzes. É o Sol que as tuas mãos chamam. Gelado. Se te embrulhar no meu coração, não morras. Ficavas sempre calada. Os teus olhos como agora. Se eu dizia morte, ouvias Sol. Se eu fosse só um túnel, para os teus passos. Ninguém se lembra da memória. Há seis homens que tremem sem pele e engasgam-se nomes bárbaros. Volto a pegar na espada. És uma miríade de aberrações. Gostava de te decepar os braços e de me rir sozinho sobre as tuas lágrimas.
Horned Wolf
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
Evocação I
Le Jour des morts - William-Adolphe Bouguereau
"Que o Senhor lhe conceda a graça de obter misericórdia do Senhor naquele dia".(2 Tm 1,18)
Ela está inerte, no triângulo, de braços pendurados ao longo do tronco e joelhos dobrados. Os seus cabelos ruivos lambem a sua pele rosada e os seus lábios encarnados exprimem tristeza. Há interferências de outras vozes que me aguardam, ela própria está absorvida numa multidão de murmurantes. O hemisfério esquerdo da minha cabeça lateja enquanto se fixa em mim com olhos acusatórios. Afirma que a deixei morta durante todo este tempo, que a abandonei a águas estagnadas. O meu coração sente-se angustiado e o meu peito deseja o acto do vómito. Mostra-me o seu inferno cheio de sombras azuis e negras que se assemelham a mosquitos. Eu dou-lhe um sabão que cai aos seus pés descalços e inertes. De repente dançamos nas miríades de dedos púrpura que se tocam no céu, afogamos-nos nas estrelas e voltamos a emergir na manhã seca de Verão a caminho marítimo de Tróia. São as primeiras chuvas, hoje. O teu inferno tem túneis de esgoto e coisas que eu não sei identificar. Estás sentada sobre as pernas alvas por cima da água celeste e brincamos à eternidade. Mas temos peso demais para não a romper. Eu peço-te que te reveles. Dás-me pedras a comer, no Inferno escuro, cheio de ventres que engolem. A tua pele encarquilhada cai em constância do teu corpo velhaco. Tens mil canções para mim. Os meus poemas. Mas eu defendo-me com o coração e a serpente. Espeto-te com o tridente emprestado de Neptuno. As tuas pernas são como serpentes em redor da minha cintura. O meu pénis uma terceira. Todas se enrolam. O meu corpo é a preguiça. Por hoje despeço-me e fico a ouvir os poemas da torneira a pingar. Há uma cabeça de fogo descendente entre nós, que faz com que nunca importemos.
Horned Wolf
quarta-feira, 19 de maio de 2010
sexta-feira, 7 de maio de 2010
R.I.P. Xibalba Mannequins...
e todas as crianças beberam lágrimas
dos seios da mãe,
e todas as crianças beberam prazer
dos chifres do pai.
dos seios da mãe,
e todas as crianças beberam prazer
dos chifres do pai.
Vila Final
Vida, uma sombra parada de madrugadas inesquecíveis. A tua forma na minha forma largada. Cume das manhãs altas, vulto do raio indissolúvel.
Sombra da raiva, sombra da luz, sombra do amor. Doutrina da chuva em dias nocturnos.
Fotografias do teu semblante, fotografias do teu corpo, rasgões do Sol no fim da tarde.
Cinzas, quando a noite está no fundo. Lágrimas, quando a chama se eleva aos patamares do inalcançável.
Vida, estou cansado de viver os vossos rostos, já lhes falta cor, depois libertos, primeiro mutilados, da água do amor.
André Consciência in À Beira-Lua, pàgina 76.
Também este espaço se torna agora um livro aberto (um livro fechado).
quinta-feira, 15 de abril de 2010
terça-feira, 13 de abril de 2010
O Triste Murmúrio dos Piolhos na Solidão da Foz
Inferno - Andre Cameron
O infernal turbilhão, vertiginoso,
leva as almas de envolta na rapina
e nunca pára o ímpeto furioso.
e ao ser lançadas do alto da ravina
as almas soltam gritos e lamentos,
ali blasfemam contra a Luz divina.
DO INFERNO-Canto V.' de Dante Alighieri
Conheci-te num bairro oculto entre os prédios cinzentos e desmantelados pelo fumo. Estava sentado à beira de um abismo que a busca pelo petróleo causou. Dormia sempre ali. Sonhara percorrer o mundo. Mas cansei-me cedo - esta cidade só por si é um labirinto de paredes iguais com histórias iguais. Costumava acender uma chama lá ao fundo e subia uma lua avermelhada. Imaginava que existia um mundo lá em baixo que se percorria caindo, sem esforço. Tu vieste com a tua mochila às costas, com pins anarquistas. Aconchegaste-te comigo e cantámos um para o outro até adormecermos. Na tarde seguida (acordámos bem depois do alvor), fiquei a ouvir relatos das tuas viagens nomádicas. Na outra manhã, fiz um pacto contigo. Eu contava-te os magníficos mundos que explorava enquanto fitava o abismo, e tu, nas tuas demandas, verificavas se existiam. A partir daí, também para ti o labirinto. Continuo a contemplar-te depois da chama ao fundo da ravina nomádica.
Horned Wolf
Xochicuicatl
Uma Curiosidade Sobre "Sleepytime Gorilla Museum"
A melhor é nada mais do que esta obra de arte a ser explorada:
www.sleepytimegorillamuseum.com
Desafio
Quem escreveu "The Dreadful Story of Pauline and the Matches" (a história segue na caixa de comentários), inspiração a "The Dreadful Story of Harriet and the Matches" de Tiger Lillies?
A melhor é nada mais do que esta obra de arte a ser explorada:
www.sleepytimegorillamuseum.com
Desafio
Quem escreveu "The Dreadful Story of Pauline and the Matches" (a história segue na caixa de comentários), inspiração a "The Dreadful Story of Harriet and the Matches" de Tiger Lillies?
quarta-feira, 31 de março de 2010
Vati Cano
Dedicado ao Goldmundo
Abismo do Pecado - Jana Vieras
Talvez não gostassem de acreditar, porque vou explicar como vi a Cidade Santa sob a insígnia de Roma Católica Apostólica. É ela a cidade da toca da aranha. Há duas montanhas cegas que rodeiam o abismo, e que situam a cidade no fundo do vácuo, ligada à superfície por mil cordas grossas muito penosas de subir, atadas entre si, numa rede que vai servindo como telhado à povoação. Caminha-se na escuridão, com os cuidados de não enfiar o pé numa qualquer fenda, e agarrado a um círio. Por cima há tudo, estendido por milhões de quilómetros, mas apenas vemos o céu e no céu o todo, uma e outra nuvem. Entrevê-se, ainda mais acima do Todo, Deus: este é o verdadeiro telhado da cidade, e não oferece passagem nem apoio.
As casas, em vez de se erguerem na vertical, são escavadas para dentro da terra, de forma a dar maior altura ao céu. As paredes formam escadas de pedra, grutas, miradouros sobre os rios subterrâneos com barcos semelhantes a caves, nascentes de água, fogos-fátuos, e homens que, perto de serem invisuais, aquecem a sopa de cupins subterrâneos ao lume. Mais afastada pode-se descobrir uma linha de faunos de carga que carregam blocos de pó para os duches. Há vasos com minerais e plantas subterrâneas para decoração, altares e candelabros para oração.
Coberta pelo precipício, a vida na Cidade Santa é mais segura do que noutras cidades. Sabem, em cada momento, que a rede de cordas não aguenta o céu.
Horned Wolf
Abismo do Pecado - Jana Vieras
Talvez não gostassem de acreditar, porque vou explicar como vi a Cidade Santa sob a insígnia de Roma Católica Apostólica. É ela a cidade da toca da aranha. Há duas montanhas cegas que rodeiam o abismo, e que situam a cidade no fundo do vácuo, ligada à superfície por mil cordas grossas muito penosas de subir, atadas entre si, numa rede que vai servindo como telhado à povoação. Caminha-se na escuridão, com os cuidados de não enfiar o pé numa qualquer fenda, e agarrado a um círio. Por cima há tudo, estendido por milhões de quilómetros, mas apenas vemos o céu e no céu o todo, uma e outra nuvem. Entrevê-se, ainda mais acima do Todo, Deus: este é o verdadeiro telhado da cidade, e não oferece passagem nem apoio.
As casas, em vez de se erguerem na vertical, são escavadas para dentro da terra, de forma a dar maior altura ao céu. As paredes formam escadas de pedra, grutas, miradouros sobre os rios subterrâneos com barcos semelhantes a caves, nascentes de água, fogos-fátuos, e homens que, perto de serem invisuais, aquecem a sopa de cupins subterrâneos ao lume. Mais afastada pode-se descobrir uma linha de faunos de carga que carregam blocos de pó para os duches. Há vasos com minerais e plantas subterrâneas para decoração, altares e candelabros para oração.
Coberta pelo precipício, a vida na Cidade Santa é mais segura do que noutras cidades. Sabem, em cada momento, que a rede de cordas não aguenta o céu.
Horned Wolf
sexta-feira, 26 de março de 2010
Enquanto Dormes
Os flocos pousam nos cedros, dois peitos de neve derretem um no outro. As estrelas aproximam-se, lentamente, dos teus movimentos. A noite sobe como uma carícia leve. Eu respiro.
quinta-feira, 25 de março de 2010
Xochicuicatl
Bem vindo a Xochicuicatl, um espaço secreto em Xibalba dedicado à música.
Uma Curiosidade Sobre "Flesh for Lulu"
Nos "Flesh for Lulu", Rocco vem de Wasted Youth:
Rebecca's Room - Wasted Youth
Glenn Bishop foi para Under Two Flags:
Masks - Under Two Flags
E foi substituido por Kevin Mills dos Specimen:
Hex 12' - Specimen
Nick Marsh está agora no projecto Urban Voodoo Machine:
Desafio
Hyimn to the Morning Star - Sleepytime Gorilla Museum
O que é a Estrela da Manhã? Responde e desbloqueia o próximo Xochicuicatl.
Uma Curiosidade Sobre "Flesh for Lulu"
Nos "Flesh for Lulu", Rocco vem de Wasted Youth:
Rebecca's Room - Wasted Youth
Glenn Bishop foi para Under Two Flags:
Masks - Under Two Flags
E foi substituido por Kevin Mills dos Specimen:
Hex 12' - Specimen
Nick Marsh está agora no projecto Urban Voodoo Machine:
Desafio
Hyimn to the Morning Star - Sleepytime Gorilla Museum
O que é a Estrela da Manhã? Responde e desbloqueia o próximo Xochicuicatl.
segunda-feira, 22 de março de 2010
Xochicuicatl
Bem vindo a Xochicuicatl, um espaço secreto em Xibalba dedicado à música.
Uma Curiosidade Sobre "Giardino Violetto"
A banda foi a primeira em Itália a ser publicada com Creative Commons.
Peguem o Danse Macabre. Itália produziu óptimo deathrock e óptimo darkwave.
Desafio
Postcards from Paradise - Flesh for Lulu
Em que filme que Brooks protagonizou foi popularizado o nome de "Lulu"? Coloca na caixa de comentários, e desbloquea o próximo post Xochicuicatl.
Uma Curiosidade Sobre "Giardino Violetto"
A banda foi a primeira em Itália a ser publicada com Creative Commons.
Peguem o Danse Macabre. Itália produziu óptimo deathrock e óptimo darkwave.
Desafio
Postcards from Paradise - Flesh for Lulu
Em que filme que Brooks protagonizou foi popularizado o nome de "Lulu"? Coloca na caixa de comentários, e desbloquea o próximo post Xochicuicatl.
domingo, 14 de março de 2010
Xochicuicatl
Bem vindo a Xochicuicatl, um espaço secreto em Xibalba dedicado à música.
Uma Curiosidade Sobre "Le Vene di Lucretia"
"Le Vene di Lucretia" mostra influencias de "Madre del Vizio" e "Rozz Williams"
Amore Fede Speranza - Madre del Vizio
A Fire of Uncommon Velocity - Rozz Williams
Download do Album
Desafio
Litanie a Satana - Il Giardino Violetto
Quem escreveu Les Litanies de Satan? Coloca a resposta na caixa de comentários e desbloqueia o próximo Xochicuicatl.
Uma Curiosidade Sobre "Le Vene di Lucretia"
"Le Vene di Lucretia" mostra influencias de "Madre del Vizio" e "Rozz Williams"
Amore Fede Speranza - Madre del Vizio
A Fire of Uncommon Velocity - Rozz Williams
Download do Album
Desafio
Litanie a Satana - Il Giardino Violetto
Quem escreveu Les Litanies de Satan? Coloca a resposta na caixa de comentários e desbloqueia o próximo Xochicuicatl.
sexta-feira, 12 de março de 2010
Casa de Morcegos, Saúda os Senhores no Trono
Cotz'na
Fui deixado por morto na Casa de Morcegos. Não é verdade? Pois olhai bem para os meus destroços e do que são feitos, de que forma a lâmina dos focinhos quirópteros se enterra em mim. A questão a traduzi-lo põe-se: como posso ser inteiro se momentos vários da minha vivência inteiros são? Sou assim dividido e sendo dividido o sangue escorre. É fácil adormecer e deixar que os morcegos operem o seu milagre às escondidas da vigilância, mas eu deverei penetrar a minha Palavra viva na insónia eterna e sobreviver como testemunha. Mas os morcegos penetram até a Palavra, e a palavra fragmenta-se em várias nuvens de memória movediça. Tal como na morte, toda a minha vida passa na minha percepção, excepto que não com ordem e seguimento, não! Em vez, todas as lembranças guincham em simultâneo. Eu lembro-me. Sim. Recordo-me. Não! Talvez. E se. Vi que foi. Aqui e agora. Tantas vezes. E sempre que. Nunca mais. O eterno repetir da lentidão dos ponteiros. Ninguém agarra os ângulos, desfazemos-nos no tempo. Salteadores nas ameias do crepúsculo. Vagar humano. Velocidade felina. Tudo se calou para sempre. E isso não se cala. Caramba! Sh… Os pardais nunca foram pardais. O nome destes morcegos é Legião. Calaram-se muito. Não tenho cabeça. Espera, ainda tenho cabeça. Coça-me as costas. Fodia e quanto mais fodia mais me energizava. Não faz mal. O quanto podes. Mas nunca te deixes vir na rapariga errada ou envelheces 3 anos. Absurdo. De há um mês para cá, ganhei verrugas. A cantina com a mulher que me quer. Sh… Daquela vez apanhei uma enorme serpente a caminho do mosteiro abandonado, fiz com ela uma Oroboros que usei à cintura e no fim deixei-a em 8. Não sei quem, mas alguém a vandalizou. Desenterrou o ovo e a rosa. Mesmo assim ela está grávida. Espero que não faça um aborto. Se o fizer engravidará de novo. Fecha as portas caralho! Está a entrar uma bruma que ainda nos vai separar a todos. Quem é que está a gritar? Primeiro acordo os animais todos, naturalmente. Mas quando começo assim a floresta fica estarrecida em silêncio. Os outros dizem que me transformo numa serpente negra e muito alta. Alentejo. E Cabeço das Fraguas. Isso tudo já foi, não é? Fui apanhado a dormir em Marrocos. Estava lá aquele gajo cujo nome é o sussurro da respiração. É ASV. Parecia. Hehe. Já não sei o que fazer com ela se não pára de gemer. Tanta merda. Que rios são estes? Falésias. Rios. Portugal está entre a terra e o mar. Se quiseres falar com Ele, vai para lá. Morcegos no meu cabelo. Não vou quebrar a asana. A bófia tem rondado a gruta. Um dia ainda conto e decoro quantas árvores existem nesta serra sem usar um único número. Esse dia é hoje. Não importa quantas vezes me perco, o caminho de volta é perder-me. Mas quando volto trago as vozes de tudo por quanto passei. Ervas e rochas e areia. Essas vozes, sabes. Estás louco! Claro que estou. Vês aquele túnel? Estamos cá em cima, no segundo mosteiro. Vês aquele túnel? Pára de escrever e não cantes. Não pises as folhas e não dances. As 3 e picos a Lua põe-se exactamente em alinhamento com aquele túnel que desemboca a meio da parede. O que metes no altar é a tua sombra. Cala-te! Os telhados estão sempre a cair. Não sei como nunca morri. Os outros partem sempre a cabeça pelo menos. Sim! Ela! Ela! Como é que os olhos dela podem brilhar tanto?! Em Tróia. Morreu-te. Essa bruxa ruiva. Agora já é tarde para chorar, não achas? Os pombos em Faro são muito diferentes dos pombos em Lisboa, e há ainda os do Porto, que cantam Anathema perto da feira. Espera lá. Não, no Alentejo não há. O que há mais é rapinas. Mas vais conhece-las a todas. Dorme em cima desta pedra, é o que eu faço sempre. Não digas mais nada. Esses livros não eram para ti próprio. Por isso é que os tivemos de queimar. A Santa não se esquece de nada. A míuda se calhar nem era maior. Agora já foi apanhada. Quantos corpos de prostituta tem o teu corpo, virgem? Não sei quantas mais mulheres aguenta a chama. E homens. Vais ficar gordo. Cala-te! Já há muito tempo que estou perdido. Eles acham que eu invento estas histórias! Se soubessem ahah. Com quantos camelos se faz o Sol? Ups. Nada como o Salvador Dali. Os morcegos, já não se ouvia deles nem um piu. Saí da palavra, pus só a cabeça de fora da sua boca, e procurei verificar se era manhã. Um Morcego da Morte, com o chocalho de ossos e as órbitas pendentes, decapitou-me em voo tal como decapitaria o fruto do ramo. Mesmo sem cabeça, ainda ouço asas a roçarem. Mas é só isso.
Um Morte e Sete Morte levaram a minha cabeça. Ainda escuto e vislumbro, mas não com os órgãos da cabeça. Sempre pensei que se separassem a cabeça do meu corpo, a minha consciência se agarraria sobretudo à cabeça. Isto era mentira. Sem cabeça, porém, podia controlar todos os animais existentes na Grande Árvore dos Mundos. Pedi a cada um que trouxesse o seu alimento e o deixasse junto da minha carcaça viva. Acho que Morte Um e Morte Sete se riam, e acho que os outros Senhores estavam sérios e com receio. Finalmente encontrei o que queria, quando vi o meu próprio corpo através da cabeça Ornada de um Lobo, que vinha sendo trazida pela boca de uma fêmea de Coiote. Vejam, se não é Lúcifer, o Corção do Céu, que desce, o próprio para acender estes olhos. Um anjo entre os morcegos. Durante quatro dias o céu encheu-se de lama e a terra escureceu. Por fim o diabo incendiou o esterco, dando luz ao mundo e abrindo o céu para o azul do Sol. Por esta altura a cabeça do lobo e os seus chifres estava bem assente sobre os meus ombros. Vejo-me a mim próprio neste preparo e vendo-me neste preparo vejo-me a mim com corpo de lobo e cabeça humana.
Reconheço, assim, ser os gémeos Ascendido e Descendido. Todos os senhores se riem e festejam. Pois no seu seio têm o meu corpo humano, vivo e derrotado. Como sempre fomos o conselheiro da Corte Abaixo da Superfície, ordeno que o meu eu seja sentado no trono em brasa e depois deitado ao rio. Restam-lhe cinzas. Estas cinzas criarão os primeiros peixes à superfície, e um dia serão homens e mulheres para governar com todos os poderes subterrâneos. Quanto a mim, os Gémeos, não temos nós os rostos de todos os bobos? Operámos milagres, ardemos as casas sem que elas ardessem, dançámos, matando-nos e ressuscitando-nos, e tanto deslumbrámos Morte Um que nos pediu que com ele o repetíssemos. Só o repetimos por metade, a primeira. Morte Sete pediu clemência. Não a obteve, porque tomámos as suas poltronas no Lugar da Esperança.
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Saúda os Senhores no Trono
quinta-feira, 11 de março de 2010
Casa de Fogo
K'ak'ma
Permaneço agora, compassadamente, na Casa de Fogo. Não existe muito a dizer sobre isto. Existe, no que respeita este tema, o fogo, e nada mais. Cá fora, este fogo arde de noite, de dia dormindo no interior, pois é o fogo das flores que se formam a partir do céu e que perdem o perfume nos artifícios, que vão usar essas quintêssencias, no aspecto decaído e consumível, como forja. Distingui a vinda do dia e sai. Entre os fantasmas, viram-me mover como um coiote e por isso tremeram, furaram os ouvidos, os braços, e colocaram os seus corações num vaso que me ofertaram. Mas o Morte Sete, não temendo, convidou-me ao trono em brasa. Perscrutei a Casa de Morcegos, não lhe agradando com resposta. Mas o Morte Um, não temendo, teceu esta questão: "Sobrevives à Casa de Fogo pela graça dos corações dos Jaguares. Porém, quem, em toda Árvore dos Mundos, és tu, que haveis dependurado os seus quatro corpos, esses quatro corpos dos primeiros entre os homens, já sem coração?" Eu respondendo: "Sou a Água da Beleza e devorei a ch'ul daquele jaguar cujas presas eram doçura, para conhecer o seu caminho. Sou a Queda de Água e devorei a ch'ul daquele jaguar cujas presas eram noite, para conhecer o seu caminho. Sou a Água das Araras e devorei a ch'ul daquele jaguar cujas presas eram Lua, para conhecer o seu caminho. Sou o Casa de Água e devorei a ch'ul do Diferenciado, de forma a compreender o caminho. Sou Qo'ahau e subi as Montanhas da Manhã para arrancar da Serpente Imperadora a insígnia da Realeza." Arrogância, pensaram Morte Um e Morte Sete, empurrando-me para a Casa de Morcegos.
quarta-feira, 10 de março de 2010
Sobre o Vento
terça-feira, 9 de março de 2010
Casa de Jaguares
Balam na
Por esta altura o povo de Xibalba e os seus senhores evitavam as pétalas cristalizadas na minha língua e o frio corpo de ossos que a cobria. Fiz-me mover até à Casa de Jaguares. Na porta, uma pintura de mulheres com serpentes no peito a caminhar sobre feras. Prostrei-me a um canto no interior, e descansando permiti os felinos gastarem a sua vitalidade nos meus ossos. De manhã, jaziam, ofegantes. Intacto, devorei, sem pressa, o coração de cada um. Senti a queimadura espalhar-se nos meus órgãos. Os meus olhos de água acolheram o fogo. E abandonando a casa os guardiões puseram-se em fuga, indagando-se sobre a minha origem.
segunda-feira, 8 de março de 2010
Casa de Gelo
Cic na
Na terceira noite foram-me dadas roupas, sob o pretexto de vir a necessita-las. Conduziram-me à Casa de Gelo, cuja porta se fazia ver ornamentada por três corações de fogo esculpidos a gélido. No interior existia, em toda a câmara e provindo da solidez do frio, o mesmo brilho prateado que antes me sussurrara, mas que desta vez permaneceu em silêncio. Na primeira hora resisti com bravura, aquecendo o corpo por todos os meios. E ainda na segunda.
Na terceira hora o frio vencia-me o corpo trémulo. Despi as roupas, e aprofundei-me nessa hostil temperatura. Toda a vontade e todo o desejo haviam despertado, porque essas coisas é que movem o mundo cego, tendo em vista a sobrevivência dos que, porque vão morrer, pensam poder não vir jamais a morrer. Aprofundei-me no gelo. Deixei de querer, transcendi, e o corpo ganhou o silêncio das coisas congeladas. Encontrava-me a ser o amor que já preservava o universo ainda antes de se conceber: o magnetismo inesgotável que rodeia as coisas que derretem de encontro ao mundo visível: Os imortais, porque a morte já foram.
Não vou morrer, sei já ter morrido. Agora, toda a minha carne no interior dos meus ossos.
Casa de Lâminas
Ch'am
Na segunda noite dirigi-me por meu próprio intento à Casa de Lâminas, cuja entrada em madeira não possuía qualquer inscrição, excepto marcas de haverem existido inscrições depois raspadas. Sentei-me e, enquanto esperava, pela primeira vez desde a minha viagem ao Lugar do Medo, passei pelas brasas. De imediato isto veio chamar uma legião tremeluzente de escaravelhos que ostentavam, no lugar de mandíbulas, tortuosas lâminas. Não soube de outra forma de lidar com esta prova, excepto o que fiz: negociar que, não oferecendo resistência, levassem apenas a carne dos animais. Quero com isto dizer que devoraram somente a minha cauda e as minhas asas. Da minha cauda organizaram um tacho de pétalas encarnadas, e das asas um vaso de pétalas brancas. Um momento posterior, na minha língua fizeram família as pétalas amarelas, que espantaram os insectos ainda antes da manhã ser chegada.
sábado, 6 de março de 2010
Casa de Treva
Ak'ab na
De corações que comandandavam a minha derrota, os Senhores de Xibalba conduziram-me à porta encimada por três esféricas jóias roxas. Avançando pelo lusco-fusco transgredi a passagem. Visitou-me nada e nada poder ver. Depois uma luz prateada que se confundia com o negro estendeu-me alguns objectos, que pude apenas tactear, e fez-lo com a legendagem que se segue:
A Morte deu-me uma chama, eu a tocha e o cigarro oferto. Na treva, acenderás uma clareira. Vinda a aurora, devolverás a tocha e o cigarro ao vulto da morte.
Anui. E não usei a tocha ou o cigarro, para o efeito da luz, aceitei activamente a treva. Vista a negridão da sala, os guardiões pensaram haver concretizado a vitória. Na madrugada, devolvi os objectos. E não ofendendo a treva, não os desgastei nem me apaguei.
sexta-feira, 5 de março de 2010
Xochicuicatl
Bem vindo a Xochicuicatl, um espaço secreto em Xibalba dedicado à música.
Uma Curiosidade Sobre "Crimson Muddle"
A líder de Crimson Muddle, Hellbore, provém de uma excelente banda chamada Deadchovsky, e ali figura nos teclados.
Le Frere Du Sandwichier - Deadchovsky
Desafio
Santa Violenta - Le Vene Di Lucretia
Quem é a Lucrécia? Desbloqueia o próximo post Xochicuicatl colocando a tua resposta na caixa de comentários.
A líder de Crimson Muddle, Hellbore, provém de uma excelente banda chamada Deadchovsky, e ali figura nos teclados.
Le Frere Du Sandwichier - Deadchovsky
Desafio
Santa Violenta - Le Vene Di Lucretia
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quinta-feira, 4 de março de 2010
Xochicuicatl
Bem vindo a Xochicuicatl, um espaço secreto em Xibalba dedicado à música.
Uma Curiosidade sobre "Seraphin Twin"
Em 1996 Brain Terry abandonou a banda para uma tourné extensiva com Dream Disciples (má troca, na minha opinião), dando assim um fim à banda, que conseguiu depois os últimos suspiros com a ajuda de Mark Elder tocando com Garden of Delight e Rosetta Stone em Londres.
Pray - Dream Disciples
Agony - Garden of Delight
Witch - Rosetta Stone
Desafio
La Rousalka - Crimson Muddle
Quem é Rusalka? Descobre e desbloqueias o Xochicuicatl seguinte.
Uma Curiosidade sobre "Seraphin Twin"
Em 1996 Brain Terry abandonou a banda para uma tourné extensiva com Dream Disciples (má troca, na minha opinião), dando assim um fim à banda, que conseguiu depois os últimos suspiros com a ajuda de Mark Elder tocando com Garden of Delight e Rosetta Stone em Londres.
Pray - Dream Disciples
Agony - Garden of Delight
Witch - Rosetta Stone
Desafio
La Rousalka - Crimson Muddle
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SAÚDA OS SENHORES NO TRONO
Xibalba Mannequins Marca Hoje um Ano de Existência
“Senhor da doença e da dor, da morte e da destruição nas ruas e nos trilhos, da morte e da destruição através da aguardente, da morte e da destruição através da intoxicação, da morte e da destruição pelo vómito, da morte e da destruição pelo esforço e pela exaustão – apresenta-te, senta-te ante este Mundo de cemitério. E também o mestre da dor e do infortúnio, dos ferimentos por pistola e faca e vidro, apresenta-te, senta-te ante este Mundo de cemitério! E também o senhor do vómito e da indigestão, o senhor da febre e da disenteria, e também o senhor da malária e da tuberculose, do inchaço do abdómen (cancro), da gripe e da bronquite, e também o senhor de toda as doenças menores; e também o senhor da varíola, apresenta-te deste lado ante este montanhoso santuário do cemitério! Senta-te neste lugar, sejam quais forem as tuas manifestações; Olhai por nós aqui ante este Mundo. Sentai-vos, todos vós. Senhores, perdoai as minhas faltas.”
(Bunzel 1952, 390).
Sem que penetrasse a rua a Este, a rua a Este penetrou todas as outras e, por fim, tomou-me, que jazia ainda imóvel no centro, uma gárgula a guardar a aridez do deserto. Vi uma sala rodeada de exóticas e ornamentadas passagens para outras câmaras. Dispostos em tronos, por ordem de hierarquia, encontrei os senhores, e não mais havia nesta sala excepto um mastro no centro do tecto em que, chovendo rosas azuis, um coração se agitava. Abaixo, um rosto oval, de olho escarlate na testa e boca aberta em O, emanava o hálito dos silêncios mais antigos que o tempo. Eis o lugar da assembleia. Pensei sem a verbalização deste pensamento. Nudificado, deixei a pele abrir-se e estendi a consciência (o corpo) até ao primeiro Senhor, o leitor poderá compreender o que procurei fazer no tempo que se seguiu se, imagine-se, se focar no centro da sua mão, onde sentirá uma palpitação. De seguida que se sensibilize, digamos, no seu dedo do meio da sua mão esquerda, sem ignorar o resto do corpo, e com este, se force a roubar toda a vitalidade desse dedo que existe entre os outros quatro dedos. Sentirá de imediato, se não for um babuíno, uma dormência profunda nessa zona. Isto foi o que fiz ao primeiro senhor, o que fiz ao segundo, o que fiz ao terceiro, e depois o que fiz ao quarto. O quarto denota uma simples diferença, e que nada tem de extraordinário, dos outros três. Trata-se de um mistério dos sentidos já por todos conhecido. E se o leitor não se resumir ao chimpanzé (trata-se de mera expressão, pois os chimpanzés já o sabiam ainda o homem estava a aprender a ir à Lua), saberá que existe uma diferença vital bastante perceptiva entre a proximidade que estabelece a uma árvore e a um pedaço morto de madeira. O quarto senhor, era mais, pois, como uma árvore, e os três primeiros como manequins de madeira, a quem chamaram de Pai, de Filho, e de Espírito Santo.
Abri também eu uma boca invisível, em O. Arranquei-lhe, como o vendaval arrasa a resistência da floresta, o seu sangue. Escutei-lhe um lamento, e, sabendo que o lamento é o nome manifesto da coisa que lamenta, reconheci “Morte Uma”. Repeti o processo, identificando “Morte Sete”. Tinha agora ambos os senhores dos juízes, e que são o inicio e o fim, representando as húmidas ventosas do tempo e do vento. De seguida feri aquele Coberto de Crostas, Ferida Voadora, cujo ofício é adoecer toda a vida sobre a terra, permitindo as libações de sangue que amarram os demónios à obediência. Depois, o que Recolhe o Sangue, sempre que o chão o recebe, e o distribui aos Senhores, fundindo a mortalidade à eternidade dos mundos (criando o Sol e a Lua). A seguir, e obediente aos primeiros, o Demónio do Pus, servo da criação, e o Espírito Maligno, servo da acção. O domínio dos dois Senhores é derreter as formas dos homens e das mulheres que caminham na terra, sem o qual não poderia, neste momento, pica-los qual angélico mosquito. Depois, o Báculo de Osso e o Báculo de Caveira, cuja obra é retirar do homem sem forma todos os resquícios mortais, o que conseguem por agência da fome e pela ausência total das divindades.
Ainda, o Demónio dos Resíduos, e o Demónio da Punhalada, cujo labor é voltar a cobrir de imundície aqueles que, depois de orientados pelos prévios Senhores, cessam de velar pela sua própria essência. Esses arrastar-se-hão nas formas grosseiras até conseguirem retornar à morte através delas. Por sua vez, aqui trabalha o Senhor Asa, que administra o acidente e o acaso fatal, levando a liberdade caótica até ao vulto mais fixo, e o Inquerideira, que mede o caos pelas gravidades essenciais em relação com as gravidades periféricas, usando-as para assassinar. Os dois consomem os viandantes, como é caso do narrador, pela garganta e pelo peito, levando-os a misturar-se com os seus trajectos, desde que fora dos seus lares, por milagre da morte.
Assim, todos eles foram nomeados. E disse uma voz, cujo som se resumia a “ooooooooooooooooooooooooooooo”, “Saúda os senhores do trono”. Mas eu, sorri. E sorrindo ria-me deles. Eu que sou Tsuk’ te, a Árvore do Mundo, e o fruto de Tsuk’ te. E lembro-me do quadro de Francis Bacon, com todos estes senhores na raiz do corpo, o cérebro, pois o mundo, fora do espelho dos olhos, é do avesso. “Senta-te, ó voz! Eu que reconheço na vida a simples porta para a morte, na morte a simples transição para a vida! Eu, que desposei os femininos corpos despidos dos másculos e incorpóreos deuses da morte, e através dos seus corpos nasci, te digo que nenhum destes é um Senhor, e todos são manequins. Como a manequins que se desejam como eu os saúdo. Manhã, Morte Um! Manhã, Morte Sete.” A todos saudei. Fui então, depois de cada um se apresentar, convidado a sentar-me no trono acima de todos os outros tronos do Lugar do Medo e dos Fantasmas, porque os senhores de Xibalba invejam o conhecimento dos homens e não poderão desenvolver-se sem eles.
Sabendo que se tratava de um trono em brasa, o não fiz, antes tomando a palavra: “Eu, que sou Garras Sangrentas e Dentes Sangrentos; Eu, que desci aqui não como um macaco ou como um artesão, mas como o corpo nu do amor que toma forma a partir da incorpórea guerra para tomar as outras formas, para assimilar o macaco e o artesão na sua sabedoria, te dito: aqui me posarei para vos governar após a travessia da Casa do Fogo.”
Foi assim que vim a conhecer “Casa de Treva”.
“Senhor da doença e da dor, da morte e da destruição nas ruas e nos trilhos, da morte e da destruição através da aguardente, da morte e da destruição através da intoxicação, da morte e da destruição pelo vómito, da morte e da destruição pelo esforço e pela exaustão – apresenta-te, senta-te ante este Mundo de cemitério. E também o mestre da dor e do infortúnio, dos ferimentos por pistola e faca e vidro, apresenta-te, senta-te ante este Mundo de cemitério! E também o senhor do vómito e da indigestão, o senhor da febre e da disenteria, e também o senhor da malária e da tuberculose, do inchaço do abdómen (cancro), da gripe e da bronquite, e também o senhor de toda as doenças menores; e também o senhor da varíola, apresenta-te deste lado ante este montanhoso santuário do cemitério! Senta-te neste lugar, sejam quais forem as tuas manifestações; Olhai por nós aqui ante este Mundo. Sentai-vos, todos vós. Senhores, perdoai as minhas faltas.”
(Bunzel 1952, 390).
Sem que penetrasse a rua a Este, a rua a Este penetrou todas as outras e, por fim, tomou-me, que jazia ainda imóvel no centro, uma gárgula a guardar a aridez do deserto. Vi uma sala rodeada de exóticas e ornamentadas passagens para outras câmaras. Dispostos em tronos, por ordem de hierarquia, encontrei os senhores, e não mais havia nesta sala excepto um mastro no centro do tecto em que, chovendo rosas azuis, um coração se agitava. Abaixo, um rosto oval, de olho escarlate na testa e boca aberta em O, emanava o hálito dos silêncios mais antigos que o tempo. Eis o lugar da assembleia. Pensei sem a verbalização deste pensamento. Nudificado, deixei a pele abrir-se e estendi a consciência (o corpo) até ao primeiro Senhor, o leitor poderá compreender o que procurei fazer no tempo que se seguiu se, imagine-se, se focar no centro da sua mão, onde sentirá uma palpitação. De seguida que se sensibilize, digamos, no seu dedo do meio da sua mão esquerda, sem ignorar o resto do corpo, e com este, se force a roubar toda a vitalidade desse dedo que existe entre os outros quatro dedos. Sentirá de imediato, se não for um babuíno, uma dormência profunda nessa zona. Isto foi o que fiz ao primeiro senhor, o que fiz ao segundo, o que fiz ao terceiro, e depois o que fiz ao quarto. O quarto denota uma simples diferença, e que nada tem de extraordinário, dos outros três. Trata-se de um mistério dos sentidos já por todos conhecido. E se o leitor não se resumir ao chimpanzé (trata-se de mera expressão, pois os chimpanzés já o sabiam ainda o homem estava a aprender a ir à Lua), saberá que existe uma diferença vital bastante perceptiva entre a proximidade que estabelece a uma árvore e a um pedaço morto de madeira. O quarto senhor, era mais, pois, como uma árvore, e os três primeiros como manequins de madeira, a quem chamaram de Pai, de Filho, e de Espírito Santo.
Abri também eu uma boca invisível, em O. Arranquei-lhe, como o vendaval arrasa a resistência da floresta, o seu sangue. Escutei-lhe um lamento, e, sabendo que o lamento é o nome manifesto da coisa que lamenta, reconheci “Morte Uma”. Repeti o processo, identificando “Morte Sete”. Tinha agora ambos os senhores dos juízes, e que são o inicio e o fim, representando as húmidas ventosas do tempo e do vento. De seguida feri aquele Coberto de Crostas, Ferida Voadora, cujo ofício é adoecer toda a vida sobre a terra, permitindo as libações de sangue que amarram os demónios à obediência. Depois, o que Recolhe o Sangue, sempre que o chão o recebe, e o distribui aos Senhores, fundindo a mortalidade à eternidade dos mundos (criando o Sol e a Lua). A seguir, e obediente aos primeiros, o Demónio do Pus, servo da criação, e o Espírito Maligno, servo da acção. O domínio dos dois Senhores é derreter as formas dos homens e das mulheres que caminham na terra, sem o qual não poderia, neste momento, pica-los qual angélico mosquito. Depois, o Báculo de Osso e o Báculo de Caveira, cuja obra é retirar do homem sem forma todos os resquícios mortais, o que conseguem por agência da fome e pela ausência total das divindades.
Ainda, o Demónio dos Resíduos, e o Demónio da Punhalada, cujo labor é voltar a cobrir de imundície aqueles que, depois de orientados pelos prévios Senhores, cessam de velar pela sua própria essência. Esses arrastar-se-hão nas formas grosseiras até conseguirem retornar à morte através delas. Por sua vez, aqui trabalha o Senhor Asa, que administra o acidente e o acaso fatal, levando a liberdade caótica até ao vulto mais fixo, e o Inquerideira, que mede o caos pelas gravidades essenciais em relação com as gravidades periféricas, usando-as para assassinar. Os dois consomem os viandantes, como é caso do narrador, pela garganta e pelo peito, levando-os a misturar-se com os seus trajectos, desde que fora dos seus lares, por milagre da morte.
Assim, todos eles foram nomeados. E disse uma voz, cujo som se resumia a “ooooooooooooooooooooooooooooo”, “Saúda os senhores do trono”. Mas eu, sorri. E sorrindo ria-me deles. Eu que sou Tsuk’ te, a Árvore do Mundo, e o fruto de Tsuk’ te. E lembro-me do quadro de Francis Bacon, com todos estes senhores na raiz do corpo, o cérebro, pois o mundo, fora do espelho dos olhos, é do avesso. “Senta-te, ó voz! Eu que reconheço na vida a simples porta para a morte, na morte a simples transição para a vida! Eu, que desposei os femininos corpos despidos dos másculos e incorpóreos deuses da morte, e através dos seus corpos nasci, te digo que nenhum destes é um Senhor, e todos são manequins. Como a manequins que se desejam como eu os saúdo. Manhã, Morte Um! Manhã, Morte Sete.” A todos saudei. Fui então, depois de cada um se apresentar, convidado a sentar-me no trono acima de todos os outros tronos do Lugar do Medo e dos Fantasmas, porque os senhores de Xibalba invejam o conhecimento dos homens e não poderão desenvolver-se sem eles.
Sabendo que se tratava de um trono em brasa, o não fiz, antes tomando a palavra: “Eu, que sou Garras Sangrentas e Dentes Sangrentos; Eu, que desci aqui não como um macaco ou como um artesão, mas como o corpo nu do amor que toma forma a partir da incorpórea guerra para tomar as outras formas, para assimilar o macaco e o artesão na sua sabedoria, te dito: aqui me posarei para vos governar após a travessia da Casa do Fogo.”
Foi assim que vim a conhecer “Casa de Treva”.
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