segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Evocação IV


L'Arcangelo Raffaele - Autor Desconhecido

Ó meu Senhor! Purifica-os das transgressões; as tristezas, desvanece-lhes e transforma a sua escuridão em luz. Permite que -entrem no jardim da felicidade, purifiquem-se com a água mais límpida e, no mais sublime monte, contemplem Teus esplendores. (‘Abdu’l-Bahá).

Alguém te comeu o estômago. O teu coração palpita descompassadamente e à vista dos olhos de todos. Por várias vezes os comprimidos com que evocavas a morte e que te beberam o sangue. Hoje já não queres partir. Assim, cada pulsar agita as larvas rebeldes que habitam o teu peito, que é para dizer que a tua respiração é um assobio atroz. Contorces-te no triângulo. Queres proteger o peito com as mãos delgadas e isso é um ataque à carne lívida. Eu conhecia um padre que morreu, ficou sem pernas num acidente de automóvel e morreu. Vestia sempre o negro e um chapéu de cowboy. Esse padre depois falava comigo e eu pedia-lhe que te cuidasse. Que te sarasse o peito – e às vezes o teu peito parecia ser só o que era, o leito puro, limpo e perfeito para as minhas lágrimas evaporarem e os meus beijos repousarem. Hoje continuas na mesma escuridão, continuas devorada, como um vampiro rendido. E eu olho-te a partir do meu casebre da arte, as minhas mão começam a sangrar. Se te viro as costas os meus olhos voltam-se para as minhas costas. Deixei de trazer a espada comigo, porque sei que se te olhar tempo o suficiente te matarás de novo. Não. O teu olhar doloroso e inteligente não espera nada de mim. É por isso que a tua carne sensível magoa a minha carne aérea. Uma espuma de heresias sopra do lábio ferido, sem que o movas. Tornas-te macia e suave, como a banha das larvas. Preparas-te para dormir.

Horned Wolf

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