Le Jour des morts - William-Adolphe Bouguereau
"Que o Senhor lhe conceda a graça de obter misericórdia do Senhor naquele dia".(2 Tm 1,18)
Ela está inerte, no triângulo, de braços pendurados ao longo do tronco e joelhos dobrados. Os seus cabelos ruivos lambem a sua pele rosada e os seus lábios encarnados exprimem tristeza. Há interferências de outras vozes que me aguardam, ela própria está absorvida numa multidão de murmurantes. O hemisfério esquerdo da minha cabeça lateja enquanto se fixa em mim com olhos acusatórios. Afirma que a deixei morta durante todo este tempo, que a abandonei a águas estagnadas. O meu coração sente-se angustiado e o meu peito deseja o acto do vómito. Mostra-me o seu inferno cheio de sombras azuis e negras que se assemelham a mosquitos. Eu dou-lhe um sabão que cai aos seus pés descalços e inertes. De repente dançamos nas miríades de dedos púrpura que se tocam no céu, afogamos-nos nas estrelas e voltamos a emergir na manhã seca de Verão a caminho marítimo de Tróia. São as primeiras chuvas, hoje. O teu inferno tem túneis de esgoto e coisas que eu não sei identificar. Estás sentada sobre as pernas alvas por cima da água celeste e brincamos à eternidade. Mas temos peso demais para não a romper. Eu peço-te que te reveles. Dás-me pedras a comer, no Inferno escuro, cheio de ventres que engolem. A tua pele encarquilhada cai em constância do teu corpo velhaco. Tens mil canções para mim. Os meus poemas. Mas eu defendo-me com o coração e a serpente. Espeto-te com o tridente emprestado de Neptuno. As tuas pernas são como serpentes em redor da minha cintura. O meu pénis uma terceira. Todas se enrolam. O meu corpo é a preguiça. Por hoje despeço-me e fico a ouvir os poemas da torneira a pingar. Há uma cabeça de fogo descendente entre nós, que faz com que nunca importemos.
Horned Wolf
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