quarta-feira, 31 de março de 2010

Vati Cano

Dedicado ao Goldmundo


Abismo do Pecado - Jana Vieras


Talvez não gostassem de acreditar, porque vou explicar como vi a Cidade Santa sob a insígnia de Roma Católica Apostólica. É ela a cidade da toca da aranha. Há duas montanhas cegas que rodeiam o abismo, e que situam a cidade no fundo do vácuo, ligada à superfície por mil cordas grossas muito penosas de subir, atadas entre si, numa rede que vai servindo como telhado à povoação. Caminha-se na escuridão, com os cuidados de não enfiar o pé numa qualquer fenda, e agarrado a um círio. Por cima há tudo, estendido por milhões de quilómetros, mas apenas vemos o céu e no céu o todo, uma e outra nuvem. Entrevê-se, ainda mais acima do Todo, Deus: este é o verdadeiro telhado da cidade, e não oferece passagem nem apoio.
As casas, em vez de se erguerem na vertical, são escavadas para dentro da terra, de forma a dar maior altura ao céu. As paredes formam escadas de pedra, grutas, miradouros sobre os rios subterrâneos com barcos semelhantes a caves, nascentes de água, fogos-fátuos, e homens que, perto de serem invisuais, aquecem a sopa de cupins subterrâneos ao lume. Mais afastada pode-se descobrir uma linha de faunos de carga que carregam blocos de pó para os duches. Há vasos com minerais e plantas subterrâneas para decoração, altares e candelabros para oração.
Coberta pelo precipício, a vida na Cidade Santa é mais segura do que noutras cidades. Sabem, em cada momento, que a rede de cordas não aguenta o céu.


Horned Wolf

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