sexta-feira, 21 de março de 2014

Lugar onde existe barro



Barreiro - Ricardo Almeida

Livre. É o asfalto que se solta quando largo a confusão pacífica do andamento do carril. Sinto a pressão do calor a comprimir-me e a espalhar-me também pelas paredes da estação. De vez em quando, fico agarrado aos outros, como uma consciência pegajosa, ou emano deles se suam. Não hoje. Há um casebre abandonado que graffitis coloridos insistem amar sempre que eu olhe ou que ninguém esteja atento, e que cada vez mais parecem vir a perder, sem pressa, o significado de se moverem ao fim da noite. As fábricas murmuram ao longe, e lembro-me de como não gostas do campo, de como te é mais fácil a ligadura cinzenta dos fumos: um pardal saltitante que adormece ao som das linhas de montagem e escreve a independência do amor a dormir. Duas baratas que se aprimoram perto das botas que passeio. O rato junto ao lago e a tua presença na cadeira metálica do café. Os pássaros movem-se com uma animalidade que sinto, agora que o Sol se pôs. Um alarmismo imperioso e sereno. E de noite enches-te, como a tua terra, de copas de árvores amarelas como lâmpadas torradas, ou da esquadra da polícia mesmo ao lado da Igreja com paredes por pintar, da escuridão do pontão que o rio murmura com um ou dois pescadores enterrados no outro lado do tempo. Olho para dentro das habitações brumosas. No Barreiro Velho, a negritude é sempre um Sol tostado. O teu sorriso também é as ruas.


André Consciência

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