quarta-feira, 2 de abril de 2014

O Embondeiro Que Sonhava Pássaros


Detalhe de Elefante - Jeanne Marie
Os reis são adorados pelos povos, porque crêem que vieram do céu, e falam-lhes sempre com grande acatamento, à distância e de joelhos. Muitos destes reis, para maior cerimonial, nunca se deixam ver quando comem, para não modificarem a opinião que os povos deles têm, de que vivem sem tomar alimento. Adoram o Sol e crêem que as almas são imortais, e que depois da morte vão habitar junto ao Sol. No reino de Benim têm um costume mais antigo do que entre os outros, o qual tem sido observado até ao presente: quando morre o rei, todo o povo se junta num grande campo, no meio do qual abrem um poço muito fundo, ficando largo em baixo e vindo a apertar para a boca. Dentro deste poço deitam o corpo do rei morto, e apresentando-se todos os seus amigos e servidores, aqueles que se julga terem-lhe sido mais caros e favoritos (no que não há pequena contenda entre eles, desejando todos esta honra), voluntariamente descem a fazer-lhe companhia; e logo que estão em baixo, põe-se uma grande lage sobre a boca do poço, e o povo não sai dali, nem de dia nem de noite. No segundo dia vão alguns deputados descobrir a pedra, e perguntam aos de baixo se algum deles já foi servir o rei, e respondem-lhe que não. No terceiro dia fazem a mesma pergunta, e algumas vezes lhes respondem que fulano (dizendo-lhe o nome) foi o primeiro a partir, e fulano o segundo, porque é reputado coisa de grande louvor ter sido o primeiro. E de tudo isto, o povo que está à roda fica falando com suma admiração, considerando-o bem-aventurado e feliz. E ao fim de três ou quatro dias morrem todos aqueles desgraçados. Os que estão em cima, ao pressentirem isto, e vendo que ninguém lhes responde, informam imediatamente o rei sucessor, o qual manda fazer um grande fogo sobre o dito poço, onde assa muitos animais, que dá a comer ao povo. E com esta cerimónia entende ser verdadeiramente rei, e ter jurado governar bem.
Autor Desconhecido (Navegação de Lisboa à Ilha de São Tomé Escrita por um Piloto Português)


Crescer em leveza, eis ao que se propunha
O rei asceta, que sobre o reino compunha.
Da raça do céu, desceu em cidades papagaio
De papel, tocando a terra então tendas, flores
E mel.

E as pedras, pegadas de Lua,
Dos prédios cansados,
Faria rendilhados.

E os rios, descansos solares,
Do cal das paredes,
Transparentes nenúfares.

E a árvore, estrela em repouso,
Das casas empilhadas,
Folhas ceifadas.

E nem cresceu o reino para dentro,
Para ter de crescer para fora,
Cresceu em leveza, e será a Aurora.


André Consciência

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