quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A Metade Devorada - Fim


We Can Fuck Forever - Rudzielec Madzia


Eu vi-me a ser demais enquanto via muito em ti. Tu és tão traiçoeira quanto os pássaros da alegria.

Aninham-se, parece uma luta, que uns cantem contra os outros, parece-me uma luta que ignorem o silêncio entre si: não descansa na solidão, odeia porque tenta alcançar o que não se alcança: outro.

Talvez porque éramos todos reflexos uns dos outros num espelho de corpos e as palavras faziam amor com as imagens, nós falámos. Abriste a porta e entraste. Estávamos de olhos vendados e corpos sem roupa, uma vela, entre nós, de pernas cruzadas, as mãos nas mãos: havia fogo que passava entre as coisas que éramos nos nossos corpos pequenos, cheios de uma chama que parecia grande e que nos apagou.

Tudo o que aprendi contigo é um pesadelo, quero-te morta sempre que te recordo, quero-te mais fria do que o gelo entre nós: quero-nos dormentes. Quero perder o acesso ao teu nome, contar-te como se fosses uma estória.

“Sinto que te conheço desde sempre, como se o mundo tivesse sido construído aos nossos olhos e sempre tivéssemos sido companheiros.” Quando eu desaparecer, e já não me conhecer, como tu nunca me conheceste, ainda te conhecerei, como sempre me conheceste.

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