quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Sanita




Um sonho repetido assalta-me nos últimos tempos.

Estou a querer sair do mundo dos homens, receoso de que as suas toxinas me matem. Afasto-me com velocidade e tenciono roubar uma carrinha branca quando sou interceptado por uma negra muito bela que vem chorar no meu peito. Vejo esta senhora mudar de forma, ela não me vê a vê-la mudar de forma. Torna-se de ancas largas e enrugada, uma senhora das encruzilhadas. Não me quer deixar partir, por isso apresento-a a um conhecido que ia a passar. Enquanto ela se distrai eu pisgo-me.

Entro num armazém abandonado, que é a porta para fora do mundo dos homens, a minha visão fica turva e caminho como um ébrio, um corredor de sem-abrigo ofende-se porque, ébrio, os piso. Deseja roubar-me, convenço-os de que a única razão do meu titubeante caminhar é não conseguir dormir, o ruído do mundo dos homens não o deixa, e para isso ingiro demasiada valeriana. Por alguma razão eles identificam-se com isto, enchem-se de respeito e permitem-me passagem.

Do outro lado, não há porta de saída e a porta de entrada desapareceu. O local é um conjunto de refeitórios e laboratórios que agora fazem de quartos. Os homens são homens que perderam tudo, muitos deles criminosos, nenhum deles com uma família, todos sozinhos, sujos e com fuligem. As paredes do local cheiram ao óleo das fábricas. Ninguém se trata bem ali, todos estão em desespero solitário. De quando em quando, toca um alarme accionado por alguém lá fora, no mundo dos homens, que anuncia que será feita a descompressão do ar. Todos se atiram para o solo e tapam o nariz e a boca com quanta força podem, sabendo que se inalarem uma só vez morrem, enquanto o ar do mundo exterior passa pelas câmaras. Quando julgamos não aguentar mais, a descompressão cessa. Levanto-me, olho as páginas dos meus manuscritos e a minha saca, e reparo que pingam vómito. Tudo à minha volta pinga vómito. Pouco me importa, grito e rio e celebro estar vivo, os outros seguem a mesma ordem de ideias. Enquanto o faço, penso em quão humilhante é a minha condição. Tudo volta ao mesmo.

2 comentários:

  1. Pois é...por muito que se esteja rodeado de merda temos de continuar.


    P.S. Essa "toilet" está a precisar de três azulejos!

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