domingo, 21 de fevereiro de 2010

Diários do Quotidiano



A primeira vez que escreveu poesia soube o que era não ter pais. Escrevera um poema a cantar de fezes, que deixou no correio da sua avó junto com um lenço ao qual se havia assoado. Era uma traquinice, ainda assim percebeu que, ao poetizar, era ele pai e mãe, e nada acima dele.

A primeira coisa é esta. A irmã leva um caniche literalmente arrastado pela trela. O pobre bicho não tem velocidade para acompanhar a menina. Ele dizia para ela parar, sem ser escutado. Depois afirmou, a pulmões cheios, que nunca havia gostado da irmã, só para ganhar a atenção, também ele um menino. Com isto, confundiu-se a si próprio, e ficou mais adulto.

A menina atacava-o com o cinto, brincadeiras de gaiato. Ele conseguiu roubar-lhe o cinto numa das investidas e simulou um ataque. A mãe entrou no quarto e acusou-o de maus tratos à menina.

O pai ficava a aspirar a casa depois de saber do nascimento da filha, dizia que era para estar tudo limpo quando ela chegasse. Mas o miúdo só queria saber como era a bebé. Depois viu-a, e sentiu uma tranquilidade e uma paz inesperadas.

A mãe subira ao pediatra, e para distrair a bebé o miúdo pôs-se a brincar com ela usando-se da sua aranha de plástico, acontece que a aranha fazia alergia ao bebé. Quando a mãe chegou acusou o miúdo de saber que estava a fazer mal e de o fazer por gosto.

Alguns anos mais tarde, depois do miúdo se mudar muitas vezes e já não ser um miúdo, a primeira namorada desaparecer doente, e ele não querer ver os livros da nova escola, ela com já parte da vassoura partida na mão, ofegante, com espuma nos cantos da boca, as faces rubras, os maxilares alargados e as narinas dilatadas, os olhos a quererem saltar para fora e ver o mundo (cof cof). Ele sentia uma linha em brasa nas costas, estava aparentemente calmo, muito quieto, a olha-la fixamente com uma chispa no olhar e um sorriso trocista no rosto. Ela dizia: "Não és nosso filho. És filho do diabo!" O rapaz regalava-se com uma descoberta irrefutável, capacidade que tinha para tirar até ao último resquício de auto-controlo da mulher. Se esse poder era ser filho do diabo, havia de o exercitar não só naquela mulher mas noutras mulheres e noutros homens, e dedicar os anos seguintes a refinar essa arte.

5 comentários:

  1. O teu talento para a escrita é demasiado, Wolf. Às vezes provoca-me calafrios. Perturba-me, sempre.
    Tens uma alma pura (e não sei como o conseguiste, mas não foi decerto impunemente).

    Teríamos sido bons amigos.


    Abraço.

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  2. Um dia que estiver com mais dinheiro hei de ir visitar a Claudine e faço questão que apareças ;)

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  3. Combinadíssimo!

    Sábados à noite passo música num bar em Castelo Branco. Ela costuma ir. Fica a dica. ;)

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  4. Muito bom meu caro.
    Também eu já levei com esse rótulo, aquela soberba frase: "A rapariga tem o diabo no corpo..."
    Algo que só nos faz despertar ainda mais o instinto, e no fundo, ria-me de todos eles.

    Sou tua fã, sabias disso não?

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