sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Pássaro Azul



O céu estava rosado. Ela queria escrever as linhas da eternidade num frágil bloco no carro, à beira do horizonte. O pôr do Sol nas árvores ou o mesmo astro a nascer perpendicular ao mar que se descobria no fundo do descampado que, com vegetação densa e molhada, apenas caminhávamos a custo. O reflexo das copas no rio, ou o pontão desfeito com as madeiras semi-mergulhadas. Uma família de férias, as suas silhuetas no crepúsculo, com os mais velhos a segurar luzidamente cachimbos finos. Mas eu sou nuvens e fumo, um cheiro que se deixou cair nas coisas sem se tornar algo. A substância efervescente do céu, que nenhum Deus veio abraçar. Musgo verde nas pedras do lago, a explosão de uma partícula de água numa superfície aquosa. O desabrochar de flores nas minhas lágrimas. A neblina na terra. O gelo macio da tua pele. . . . . . . . . São lúgubres as virtudes do homem, da mulher, o Homem é vil e o seu amor é mais devastador que o ódio dos anjos. Se existe um pássaro azul na hora mais escura, com as mãos em oração e as asas como frondosas velas ao vento, revele-se agora. Ilumine a minha alma peregrina com os sonhos dos primeiros leões, das crianças invioladas, das virgens em luta - de outra coisa mais antiga, um amor que não é o dos homens. . . . . . Nada no mundo está parado, excepto os deuses nos seus imóveis corpos de pedra, prova crassa do tédio que nos criou. Um dia tu também te lembrarás do pássaro que morreu na tua barriga, e chorarás a minha queda.

André Consciência

1 comentário:

  1. Há muito, muito tempo que não lia nada que me fizesse chorar...

    Li-o aqui; agora.
    Obrigada.

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