sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Mater Dolorosa




Os montes escalvados marejavam os fidalgos
Com as sombras dos homens todas a serem íngremes
Asas de um anjo fadado a suportar a fúria infinita
Da paz e da glória. Os valados sobem e separam-se
Em diversos pinhais, urzes e fragões. A encosta da Serra
A vastidão imensa da distância
Arranca-lhes os olhares das pálpebras e fá-los abobadas.

Os homens são planuras uns dos outros, pensa o Rei
Enquanto cavalga sobre uma. Reconhece um rasto
E devolve-se o seu olhar à água móvel com pelugem do lince.

Um silvado de espinheiros sabe que ele é homem e fá-lo estacar,
Todo ele agreste à vista estupefacta de uma alcaieta musculosa,
E os olhos das (es)feras eram os olhos de Deus se espreitaram
Demasiado fundo.

Distraiam-se com a distância das ravinas que através deles se evaporavam,
Silêncio eriçado pelo vento, beijos de penhascos. A sua fronte lapidada
Com a brancura das anémonas eternas. Os seus lábios negros,
Porque o abismo das bocas. O manto azul das existências afogado
Nas luminosidades de se arrancar à existência para ser, para que os olhos
Em terra, a dianteira das marés. Os seus seios espetados são a carnalidade
Primorosa. Os lobos uivam sem cessa, jorrando, das traseiras,
Um trilho de leite virgem.

Fica erguida a Mater Dolorosa, seduzindo o volver dos séculos,
Confundindo-lhes as direcções, rugindo do fim alto da terra as tempestades
Do mundo.


André Consciência

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