sábado, 4 de janeiro de 2014

Lamia

Serra D'Arga - Francisco Sampaio

A distância das estações desabava e permitia Deus todo:
Assaltava-me uma imensa beleza, fazia-me escorrer água para todas as coisas,
Em que as bebia e não mais delas me distinguia. Depois,
Essa saudade melancólica e soturna das horas entre as horas,
O desassossego das coisas serem tanto que não se bastam,
O carnívoro e terrível anfíbio da consciência.

Deus é Luz e pensar-se dia, como no coração selvagem
O Anjo é a civilização. Mas a noite é eterna e cobre a luz e o dia,
Da mesma forma cobre a alma do homem toda a civilização.

Nisto, procurei de minha disciplina escutar o que me dizia a serra
E o que da serra se via, e ainda falá-lo. O emprego era a sede, beber pouco,
Comer pouco, mantendo essa necessidade acesa, essa fraqueza que obriga
A força a movimentar-se, carne e osso. E pelos delírios daqui fumegados
Lia o livro virgem cujo ventre só se pode penetrar dele saindo, e nunca entrando.

O Éden viu que estava nu. Era Verão intenso de Agosto,
A garganta podia ser encontrada, com a desidratação,
Espinhosa, aguda. A água, que aplacasse todas as iras,
E quando nada é tempo tudo é Deus e os lugares as coisas
O paraíso não se ter perdido para dentro das consciências sem fim.

Mas cego, cegado por dois punhos no escuro.
Estrondosa e ribombante mudez, luz sem cor,
Arrependido ante a visão do corpo divino atirou os olhos à fonte
Agora, dos rios de neve que lhe caiam dos veios vazios das covas esvaziadas
Onde antes pousara teimosamente e incauta a vista,
Finalmente solta da Terra, Mulher comprida e fendida
Como se parisse o vácuo constantemente, manchada de carmesim duro
E transparente. A pele lisa contorcia-se contra si mesma, em laivos de nevão,
E os cabelos eram como cristais felizes e eléctricos.
A expressão branca era negra como um fosso sem fundo, os olhos
Imortais como a queda do universo para cima.

A garganta do monge era um rio e o seu estômago um oásis.


André Consciência

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