sexta-feira, 24 de janeiro de 2014
Mater Dolorosa
Os montes escalvados marejavam os fidalgos
Com as sombras dos homens todas a serem íngremes
Asas de um anjo fadado a suportar a fúria infinita
Da paz e da glória. Os valados sobem e separam-se
Em diversos pinhais, urzes e fragões. A encosta da Serra
A vastidão imensa da distância
Arranca-lhes os olhares das pálpebras e fá-los abobadas.
Os homens são planuras uns dos outros, pensa o Rei
Enquanto cavalga sobre uma. Reconhece um rasto
E devolve-se o seu olhar à água móvel com pelugem do lince.
Um silvado de espinheiros sabe que ele é homem e fá-lo estacar,
Todo ele agreste à vista estupefacta de uma alcaieta musculosa,
E os olhos das (es)feras eram os olhos de Deus se espreitaram
Demasiado fundo.
Distraiam-se com a distância das ravinas que através deles se evaporavam,
Silêncio eriçado pelo vento, beijos de penhascos. A sua fronte lapidada
Com a brancura das anémonas eternas. Os seus lábios negros,
Porque o abismo das bocas. O manto azul das existências afogado
Nas luminosidades de se arrancar à existência para ser, para que os olhos
Em terra, a dianteira das marés. Os seus seios espetados são a carnalidade
Primorosa. Os lobos uivam sem cessa, jorrando, das traseiras,
Um trilho de leite virgem.
Fica erguida a Mater Dolorosa, seduzindo o volver dos séculos,
Confundindo-lhes as direcções, rugindo do fim alto da terra as tempestades
Do mundo.
André Consciência
quarta-feira, 22 de janeiro de 2014
Das coisas que param
A senhora está no banco de trás da casa, parada, e isto explica porque é que as coisas param. Estar parada no banco de trás da casa é como Lua a crescer na erva e os corpos mortos romperem a luz que é o escuro. Isto é, a senhora está pendente no banco de trás, sente a vida como uma coisa que nasce de muito longe para perto dela, e a distância ser o tempo de se aperceber disso. Imagina que as ervas a crescer (na Lua ou seja onde for) existem dessa forma, porque não é possível testemunhar o crescimento de coisa nenhuma sem ser imaginando a memória. E o que é isto da memória? A memória é uma clareira numa floresta de sensações muitas, ou um homem que se perdeu numa terra estrangeira e inventou as terras natais.
Agora calemos o suposto autor e a suposta velha na cadeira de baloiço à janela da retaguarda da vivenda do jardim-de-infância, autora do autor. A coisa mais salutar é depois que as coisas se escrevam e se escavem a si próprias, porque nunca precisaram de intérprete, que é, na escrita e na arte, o lazer e o intervalo nas coisas se trabalharem quietas, e uma segunda camada ilusória de movimento e fantasmagoria (agrada-me esta palavra porque evoca debaixo do mesmo conceito o conceito “agora” e o conceito “fantasma”). Que é, no fundo, o fantasma do Fernando Pessoa, não o nego.
André Consciência
terça-feira, 21 de janeiro de 2014
Eu Antes de Mim
Natureza Morta - Baltazar Gomes Figueira
A mãozinha das estrelas. Cintilante.
Eu sento-me em todas as figueiras
E conto a história ingénua, dos homens
Antes de homens serem.
Não tenho outras coisas a dizer
O Sol nasce e as noites cobrem-no
De Amor. Os anjos reúnem-se
Nos crepúsculos e tocam pífaro
À dança dos cometas.
E sei olhar para dentro
Dos homens,
Com aquela perícia mesma
De quem nunca se cansa com eles
Porque tem o mundo todo, nas canções
Que foram as primeiras carnes
Muito semelhantes aos fogos impolutos
E que reflectem.
André Consciência
quinta-feira, 16 de janeiro de 2014
Vorcego
Infinitum Mr. Autumn - Mia Lavernne
Vários homens situam-se num cruzamento de estradas largas, munido de sinais luminosos, por onde não passam carros ou se avistam prédios. Por vezes, nas esquinas, cruza uma rapariga de negro e cabelos rubros, com o coração doente, e por onde passa existiram sempre edifícios. Todos se encontram frenéticos. Uns com os olhos parados, outros com os mesmos inquietos de ausência de objecto a ausência de objecto. Todos desviam o olhar da rapariga que vai morrer excepto um, que não vê mais nada. Deles há aquele que não era esse, e que estava vestido a gabardine de escuro cinzento e uma cartola, recebe um telefonema. O Sol tem um som ensurdecedor e agudo, como o orgasmo da terra. Cada floco de neve contém os braços de uma mulher (diferente da que dobra esquinas) cujo nome ele disse. O sujeito de gabardine riu e, sem mais, desligou o telefone. Pensou, antes de interromper as coisas que são pensamentos, e nós sabemos só uma certa chuva invisível e que talvez seja mais uma particularidade dos nossos corpos do que da cidade. Fitou o que havia em seu redor: a enorme urbanização de prédios espelhados, invisíveis e altos. Outro sujeito, de pendente e manga curta, e que não era o que olhava a rapariga, usava um veludo apertado e disparou “absurdo”. Um, que estava nu, com os cabelos sobre os mamilos, era o desejo liberto do que olhava a rapariga, e independente. Estava calmo pois tudo o que ele fitava lhe obedecia à sabedoria. Vez em vez, porém, tomava figuras de um lobo de cabelo fogoso, olhos clamorosos, e arturianos chifres de veado. Dirigia-se às coisas invisíveis, que os outros viam como cortinas ao vento ou sombras numa caverna, e, ao mesmo tempo, sempre para a rapariga ruiva, que devorava por causa do sangue e do sal da sua neve. Respondeu-lhes: “Nesta encruzilhada parada passam muitos carros que não sabemos, e nos atropelam. É preciso evocar a existência, para depois existir, primeiro criar um deus para que depois possamos ser, à sua imagem. É esse espectro, esse fantasma boreal que alguns apelidaram de Lua, ou de pus amarelado na lixeira.” Determinou. De repente, viam-se muitas térmitas, nas paredes invisíveis das coisas. O de gabardine cinzenta, acrescentou por fim que lhe apetecia voltar a beber, era um homem angustiado, porque no geral se encontrava demasiado embriagado numa espécie de profundidade e calmaria carnal para sentir o efeito dos licores que fazem acreditar que a vida algo tem a ver com uma sequência de eventos.
O Corvo Cego tentava imitá-los no que diziam: “Caiem e morrem as prostitutas do meu nome. Existir em todas as árvores e em nenhuma floresta.”
Vários homens situam-se num cruzamento de estradas largas, munido de sinais luminosos, por onde não passam carros ou se avistam prédios. Por vezes, nas esquinas, cruza uma rapariga de negro e cabelos rubros, com o coração doente, e por onde passa existiram sempre edifícios. Todos se encontram frenéticos. Uns com os olhos parados, outros com os mesmos inquietos de ausência de objecto a ausência de objecto. Todos desviam o olhar da rapariga que vai morrer excepto um, que não vê mais nada. Deles há aquele que não era esse, e que estava vestido a gabardine de escuro cinzento e uma cartola, recebe um telefonema. O Sol tem um som ensurdecedor e agudo, como o orgasmo da terra. Cada floco de neve contém os braços de uma mulher (diferente da que dobra esquinas) cujo nome ele disse. O sujeito de gabardine riu e, sem mais, desligou o telefone. Pensou, antes de interromper as coisas que são pensamentos, e nós sabemos só uma certa chuva invisível e que talvez seja mais uma particularidade dos nossos corpos do que da cidade. Fitou o que havia em seu redor: a enorme urbanização de prédios espelhados, invisíveis e altos. Outro sujeito, de pendente e manga curta, e que não era o que olhava a rapariga, usava um veludo apertado e disparou “absurdo”. Um, que estava nu, com os cabelos sobre os mamilos, era o desejo liberto do que olhava a rapariga, e independente. Estava calmo pois tudo o que ele fitava lhe obedecia à sabedoria. Vez em vez, porém, tomava figuras de um lobo de cabelo fogoso, olhos clamorosos, e arturianos chifres de veado. Dirigia-se às coisas invisíveis, que os outros viam como cortinas ao vento ou sombras numa caverna, e, ao mesmo tempo, sempre para a rapariga ruiva, que devorava por causa do sangue e do sal da sua neve. Respondeu-lhes: “Nesta encruzilhada parada passam muitos carros que não sabemos, e nos atropelam. É preciso evocar a existência, para depois existir, primeiro criar um deus para que depois possamos ser, à sua imagem. É esse espectro, esse fantasma boreal que alguns apelidaram de Lua, ou de pus amarelado na lixeira.” Determinou. De repente, viam-se muitas térmitas, nas paredes invisíveis das coisas. O de gabardine cinzenta, acrescentou por fim que lhe apetecia voltar a beber, era um homem angustiado, porque no geral se encontrava demasiado embriagado numa espécie de profundidade e calmaria carnal para sentir o efeito dos licores que fazem acreditar que a vida algo tem a ver com uma sequência de eventos.
O Corvo Cego tentava imitá-los no que diziam: “Caiem e morrem as prostitutas do meu nome. Existir em todas as árvores e em nenhuma floresta.”
André Consciência
terça-feira, 14 de janeiro de 2014
Gárgula do Buçaco
Imagem: Bola de Espaço (Palácio Real do Buçaco) - Horned Wolf
Música: Mask, Bauhaus, 1981
Escreverei sobre a essência das lendas.
Podia começar no Ninho de Águia,
Voando pelos moinhos conjuntados,
E terminando pousado na Senhora do Monte Alto,
As termas do luso e os frondosos verdes.
Nada disso importa.
Os nossos olhos estão mortos e só o líquido das palavras se move.
Há uma gárgula no Palácio Real do Buçaco.
Escoa as águas, inclinando-se para o mundo aberto
Do horizonte em linha recta, enquanto a água dos olhos
Corre para dentro.
Não pousa ali anjo que venha sem Deus todo,
Se pousa é escorrido,
Estar com Deus é estar para fora,
O temor da coisa absoluta e real:
A pedra ser, mesmo se nunca viveu,
E tudo o que viveu se esmagar tudo contra a pedra.
A gárgula não foi açoitada para os infernos
Nem elevada para os céus:
Se fosse é que não teria as penas da eternidade.
Também Deus reparar nela é a falta de Deus reparar nela.
O segredo da gárgula se estender é este:
Ela quer ver-se a si própria e não se olha.
Esta é a lenda da Gárgula do Palácio Real.
A história não passa por baixo de si.
Não se descobre. Contrariada,
Sem todo nem contra-parte.
André Consciência
domingo, 12 de janeiro de 2014
Estava Escuro
Darkest Dreaming - David Sylvian
Estava escuro, quando ele abriu a boca e tentou sorver
Um pouco mais daquela substância almiscarada
De coisas que são nada.
Engoliu outro copo, com o olhar perdido no limiar
Do lume perdido no copo.
Vida madrasta e puta e gasta. Caralho
Para esta merda.
Depois viu as pessoas a passar, à frente,
Da escuridão evasiva. Decidiu libertar um pasmo
Uma onda de caos espasmódica. Uma soltura
De coisa nenhuma.
Ah, quem me dera a juventude que não cheguei a ter,
Os poemas que nunca fiz, as bocas que beijei,
Mas fazer amor de todas as maneiras que ficaram
Em cada pessoa. Que merda de vida, pensar que tu,
André, não estás aqui. E eu que sempre te odiei em segredo.
Nada passava por cima de ti e não estendias a mão a ninguém,
Tinhas raios, como esse esterco de astro que é a Lua.
Agora olha, como és mais um peixe no abismo fundo do oceano
E a vida largou tudo o que esperava que tivesses tido,
E não te sobrou nada, não conheceste o teu túmulo para te
Visitares e sobreviveres.
Deixa estar, nós nunca nos esquecemos de ti.
Espalhamos-te pelas coisas, as tuas cinzas, e lembramos
De nos lamber no espaço entre elas.
Não abras os olhos, muito menos
Nesta hora. Por agora, deixa-te levar
Como o Tubarão Martelo, pelas formas
Serem um veiculo de nunca se preencher
E deita-te nos planaltos do vazio, sem dormir
Insone como a mãe de mil filhos que se cospem dela
Como da água fervida se elevam as bolhas e a carne húmida
E esquecida, do amor antigo, ou da ferida indetectável que te roubou
O corpo e os membros forçando a tua alma a ganhar corpo e membros nas raízes
Cheias de sapos e fungos e putrefacções de corações humanos e algas negras com seringas.
Que gemido é este agora que se solta da tontura das estrelas amarem o raiar da manhã
E nada amanhecer deste lado do Sol, que arrefece com a leveza da morte
Ó, teu rosto amado pelo qual trocaria o poema e a luz e a centelha
Trocaria a vida e a estrela e a veia por essa mão pequena
O que faz na sarjeta o teu corpo exausto de morrer?
Quero lembrar-me de ti todos os dias como quem
Caixão próprio não tem.
André é só o nome no gotejar das grutas
Repletas de putas.
André Consciência
Um pouco mais daquela substância almiscarada
De coisas que são nada.
Engoliu outro copo, com o olhar perdido no limiar
Do lume perdido no copo.
Vida madrasta e puta e gasta. Caralho
Para esta merda.
Depois viu as pessoas a passar, à frente,
Da escuridão evasiva. Decidiu libertar um pasmo
Uma onda de caos espasmódica. Uma soltura
De coisa nenhuma.
Ah, quem me dera a juventude que não cheguei a ter,
Os poemas que nunca fiz, as bocas que beijei,
Mas fazer amor de todas as maneiras que ficaram
Em cada pessoa. Que merda de vida, pensar que tu,
André, não estás aqui. E eu que sempre te odiei em segredo.
Nada passava por cima de ti e não estendias a mão a ninguém,
Tinhas raios, como esse esterco de astro que é a Lua.
Agora olha, como és mais um peixe no abismo fundo do oceano
E a vida largou tudo o que esperava que tivesses tido,
E não te sobrou nada, não conheceste o teu túmulo para te
Visitares e sobreviveres.
Deixa estar, nós nunca nos esquecemos de ti.
Espalhamos-te pelas coisas, as tuas cinzas, e lembramos
De nos lamber no espaço entre elas.
Não abras os olhos, muito menos
Nesta hora. Por agora, deixa-te levar
Como o Tubarão Martelo, pelas formas
Serem um veiculo de nunca se preencher
E deita-te nos planaltos do vazio, sem dormir
Insone como a mãe de mil filhos que se cospem dela
Como da água fervida se elevam as bolhas e a carne húmida
E esquecida, do amor antigo, ou da ferida indetectável que te roubou
O corpo e os membros forçando a tua alma a ganhar corpo e membros nas raízes
Cheias de sapos e fungos e putrefacções de corações humanos e algas negras com seringas.
Que gemido é este agora que se solta da tontura das estrelas amarem o raiar da manhã
E nada amanhecer deste lado do Sol, que arrefece com a leveza da morte
Ó, teu rosto amado pelo qual trocaria o poema e a luz e a centelha
Trocaria a vida e a estrela e a veia por essa mão pequena
O que faz na sarjeta o teu corpo exausto de morrer?
Quero lembrar-me de ti todos os dias como quem
Caixão próprio não tem.
André é só o nome no gotejar das grutas
Repletas de putas.
André Consciência
sábado, 4 de janeiro de 2014
Lamia
Serra D'Arga - Francisco Sampaio
A distância das estações desabava e permitia Deus todo:
Assaltava-me uma imensa beleza, fazia-me escorrer água para todas as coisas,
Em que as bebia e não mais delas me distinguia. Depois,
Essa saudade melancólica e soturna das horas entre as horas,
O desassossego das coisas serem tanto que não se bastam,
O carnívoro e terrível anfíbio da consciência.
Deus é Luz e pensar-se dia, como no coração selvagem
O Anjo é a civilização. Mas a noite é eterna e cobre a luz e o dia,
Da mesma forma cobre a alma do homem toda a civilização.
Nisto, procurei de minha disciplina escutar o que me dizia a serra
E o que da serra se via, e ainda falá-lo. O emprego era a sede, beber pouco,
Comer pouco, mantendo essa necessidade acesa, essa fraqueza que obriga
A força a movimentar-se, carne e osso. E pelos delírios daqui fumegados
Lia o livro virgem cujo ventre só se pode penetrar dele saindo, e nunca entrando.
O Éden viu que estava nu. Era Verão intenso de Agosto,
A garganta podia ser encontrada, com a desidratação,
Espinhosa, aguda. A água, que aplacasse todas as iras,
E quando nada é tempo tudo é Deus e os lugares as coisas
O paraíso não se ter perdido para dentro das consciências sem fim.
Mas cego, cegado por dois punhos no escuro.
Estrondosa e ribombante mudez, luz sem cor,
Arrependido ante a visão do corpo divino atirou os olhos à fonte
Agora, dos rios de neve que lhe caiam dos veios vazios das covas esvaziadas
Onde antes pousara teimosamente e incauta a vista,
Finalmente solta da Terra, Mulher comprida e fendida
Como se parisse o vácuo constantemente, manchada de carmesim duro
E transparente. A pele lisa contorcia-se contra si mesma, em laivos de nevão,
E os cabelos eram como cristais felizes e eléctricos.
A expressão branca era negra como um fosso sem fundo, os olhos
Imortais como a queda do universo para cima.
A garganta do monge era um rio e o seu estômago um oásis.
André Consciência
A distância das estações desabava e permitia Deus todo:
Assaltava-me uma imensa beleza, fazia-me escorrer água para todas as coisas,
Em que as bebia e não mais delas me distinguia. Depois,
Essa saudade melancólica e soturna das horas entre as horas,
O desassossego das coisas serem tanto que não se bastam,
O carnívoro e terrível anfíbio da consciência.
Deus é Luz e pensar-se dia, como no coração selvagem
O Anjo é a civilização. Mas a noite é eterna e cobre a luz e o dia,
Da mesma forma cobre a alma do homem toda a civilização.
Nisto, procurei de minha disciplina escutar o que me dizia a serra
E o que da serra se via, e ainda falá-lo. O emprego era a sede, beber pouco,
Comer pouco, mantendo essa necessidade acesa, essa fraqueza que obriga
A força a movimentar-se, carne e osso. E pelos delírios daqui fumegados
Lia o livro virgem cujo ventre só se pode penetrar dele saindo, e nunca entrando.
O Éden viu que estava nu. Era Verão intenso de Agosto,
A garganta podia ser encontrada, com a desidratação,
Espinhosa, aguda. A água, que aplacasse todas as iras,
E quando nada é tempo tudo é Deus e os lugares as coisas
O paraíso não se ter perdido para dentro das consciências sem fim.
Mas cego, cegado por dois punhos no escuro.
Estrondosa e ribombante mudez, luz sem cor,
Arrependido ante a visão do corpo divino atirou os olhos à fonte
Agora, dos rios de neve que lhe caiam dos veios vazios das covas esvaziadas
Onde antes pousara teimosamente e incauta a vista,
Finalmente solta da Terra, Mulher comprida e fendida
Como se parisse o vácuo constantemente, manchada de carmesim duro
E transparente. A pele lisa contorcia-se contra si mesma, em laivos de nevão,
E os cabelos eram como cristais felizes e eléctricos.
A expressão branca era negra como um fosso sem fundo, os olhos
Imortais como a queda do universo para cima.
A garganta do monge era um rio e o seu estômago um oásis.
André Consciência
quinta-feira, 2 de janeiro de 2014
A Talha da Cal
A Talha da Cal - Chanel
Pelas nove da manhã, Évora com um Sol Íntimo
Dourando o ar. O orvalho fresco
Quer que a planície seja um vento. Mal a olha,
O cansaço submerge-o e
As praças continuam longe, a cidade, branca,
Os seus olhos de luto. A cidade toda é uma alucinação
Das árvores da avenida, ou talvez da luz no empedrado
Das ruas, ou do sangue em que se cruzam as fachadas
Dos prédios. Os templos são velhos e as manchas negras
O alto. As Torres da Sé disparam o céu em lapsos.
A tarde é calma, com o Outono moribundo
Sobre a massa da montanha, erguida em frente
De uma casa ao Sol. Há pátios, reflexos
De brancura, globos albinos, candeeiros pálidos.
Entrou no seu quarto solitário, abriu na noite
A janela, a massa da montanha ainda banhava
A grande e solene aldeia suspendida sobre a Lua.
André Consciência
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