terça-feira, 28 de setembro de 2010

Evocação VI


Bride - Vibha Sahu

Por isso, [Judas Macabeu] pediu um sacrifício expiatório para que os mortos fossem livres das suas faltas (2 Mac 12,46).

És uma pirâmide amorfa com um homem de neve (zelator) a guardar a chama na base do atanor. Espreguiço-me dentro dessa serpente e pingo. Ou os pinheiros que contornavam a escola onde me via espreitar-me do outro lado do tecido da realidade com febre fria. Sobem línguas de fogo que tornam o teu triângulo em círculo. As tuas mãos estão cheias de objectos que eu tinha perdido na floresta e que queimam os olhos. No fundo, lembrar-me de ti é lembrar-me de mim. Dois círculos fechados um no outro são um. Ó gelo do meu arder, ó soltura das estátuas, ó carne das pinturas e silêncio dos dias colados às mãos: cantem-na, cantem-na para sempre, e eu descanso à sombra móvel do céu como o monte que rasga em paz o tempo. Somos máscaras da morte, ninguém nos trespassa. O teu rosto é belo e eu beijo-o com a força dos cometas. Adeus.

Horned Wolf

4 comentários:

  1. Gosto muito... mesmo muito.

    Disseste: "As tuas mãos estão cheias de objectos que eu tinha perdido na floresta(...)"

    É uma linguagem muito próxima de ser gume que trespassa todos os invólucros... ou seja, próxima da língua da alma.
    É a linguagem que tento usar sempre (por isso é que sou tão calada...)

    Dark kiss

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  2. ‎:)

    É a única linguagem e o único gesto que interessa, tudo o resto é muralha à volta de lixo.

    Um beijo e um abraço, Luisa.

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  3. "No fundo, lembrar-me de ti é lembrar-me de mim. Dois círculos fechados um no outro são um."
    Terminas em beleza pura, Lobo querido...
    E nem sabes como isto hoje se me enterra na pele...
    Abraço meu......

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