quinta-feira, 22 de maio de 2014

Reflexos


Lá em baixo só haviam sonhos
Beijos, e velas de junco
E camas feitas por cantores
Depois, a escuridão,
O rio arder um pouco mais brilhante
A canção dos archotes tornar-se mais
Sonora, a olhar para um rapaz
Com as asas incrustadas de gelo
A pele arrancada de metade da cabeça
Uma centena de cogumelos a crescer-lhe
Lá em baixo, peixes cegos e brancos
No ventre, intemporal, vasto
Silencioso como a Terra Oca
Ou o Mar Sem Sol, a ouvir o que
Nenhum homem, os olhos divididos
A dourarem, a cantar para si próprio
Puro como o ar de Inverno,
Como a última brasa de uma
Fogueira morta, senhor do reino incendiado
Herdeiro de ruínas, a luz a crescer
Fina e aguçada como a lâmina de uma
Faca, as estrelas a tornarem-se estranhas
Como círculos de ferro, os dias destronados
Pelo Sol, os anos soterrados no solo
Os séculos desfeitos em água negra
Que banha muito grávida e nua a mulher
De cabelo de nevão.


André Consciência

Sem comentários:

Enviar um comentário