segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Coroa da Terra



Recinto Megalítico da Portela de Mogos - autor desconhecido


Aquele que pensa a árvore imóvel comete um grave erro. A árvore precipita-se verticalmente num salto mais veloz que o sobressalto da fera e a sua existência é que o respire. Envolvendo as árvores existem mulheres sem nenhuma idade no seu interior, que dão as mãos e cantam sem som – esse cântico não é diferente do chamamento da morte, da morte antes da culpa a haver dividido, e que ensinou o amor aos vivos. Em cima, as estrelas sonham as coisas genuínas que se soltam da pele putrefacta, as luzes que corroem com ácido todas as correntes, e as árvores estão, como eu, presas na sua teia. O solo seco fervilha com insectos roídos por propósito, basta tocá-los com o sangue para a sua ausência de dúvida me criar em cinza: depois movo-a e escuto, com os ouvidos do pó: o céu inteiro a passar dentro de cada menir com um rugido diferente. As rapinas sobrevoam-me com desconfiança e o meu corpo nu não treme. Percorrido o anoitecer e longa a noite, chegam os outros, os das tendas, também eles despidos à excepção dos mantos de linho negro. São idosos, lentos e rancorosos, apelidam-me de sábio. Queimam ervas, falam línguas e desenham a óleo na pele marmórea. Ao meu primeiro grito lancinante a fauna desperta um festejo, eu canto as palavras antes das palavras, sabendo que o espaço não suporta vazio e não existe vazio. Ao segundo, petrifica-se a floresta e encobre-se num gelado silêncio predatório. Respiro e sei que as árvores não se enfurecem, as pedras não se convulsionaram, as estrelas não despertaram, mas cintila uma amargura profunda no tempo entre a árvore, o menir, a estrela, e o canto até chegar aos homens. São agora derrubados pela volúpia de anjos-leão, soluçam os choros das mães carpideiras, pranteiam e derramam vómito borbulhante. Depois, estranhamente vergastados, exaustos e satisfeitos, retornam estas fezes dos titãs às suas tendas. Encosto o meu corpo nu e ofegante à pedra mãe. Carreiros de aranhas albinas (não conheço outros senão os de Portela de Mogos) acariciam-me em escala e contornam o mel e o leite para desaparecer do outro lado da Lua. Só as almas dos homens perderam o corpo e são o chão longínquo na vertigem dos deuses.


André Consciência

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