quinta-feira, 2 de maio de 2013

Malak XIII


Malak Al Mawt - PriestofTerror



Meio-dia mergulhou no verde a Sul. O grande bosque amortecia as nossas asas. De vez em quando ouvia-se um pombo fazer barulho por entre as folhas, o matraquear de um pica-pau num tronco de árvore, uma mulher que lavava a roupa na casa dos espíritos da água. Ouviam-se também as flores a salpicar as pastagens. Mas as nossas asas, o grande bosque amortecia. Um veado saiu a correr do bosque e apareceu no limiar do arvoredo. Ouviu-se uma corneta. Lá ao longe, outra corneta, depois o zumbido das abelhas no rio. O fumo infestou a tarde, a morte infestou o reino, não para nele viver e proliferar, mas para o matar. Chegara a idade em que os tronos nada mais eram do que cadeiras e as terras vazias, impossíveis de ocupar, não cessavam ainda assim de convidar as lanças. A Sul do rio bois castrados deslocavam-se pesadamente, como se nos vissem, e para os ver, veio o rosto de um homem. Cobri-o de cicatrizes, abri-lhe a boca, os dentes amarelados. E à nossa volta o bosque verde estava quente e esbaforido e eu conseguia sentir o cheiro do homem, do suor que escorria para os seus olhos enquanto o terror gritava. A alegria e o medo são exactamente a mesma coisa e a alegria é para quem age. Vi o sangue avivar o dia e o pescoço tornar-se madeira podre. Alto nos ramos das árvores, um pássaro piou, e as nossas sombras espalharam-se à nossa frente e a erva foi comida, com as margaridas, com as centáureas azuis, as tasneiras.  


André Consciência

Sem comentários:

Enviar um comentário