Era uma rapariga delicada
E estava nua com pequenos seios hirtos
E coxas redondas, numa mão
Um raminho de lírios,
Uma espada curta na escuridão fria
Da extinção das chamas a resplandecer
Com o seu rosto obscurecido voltado
Para as pedras, os seus passos
Perdidos no seu próprio sonho
Materializada no primeiro degrau
Da arcada, orlada pelos cabelos
Onde luziam raios de luz
Apontando delicadamente os dedos
Dos pés enquanto pisava.
Um sinal dos deuses, luz
Na escuridão, beleza
Entre os despojos.
Numa madrugada gelada e cinzenta
Lutaremos contra o mundo
Sairemos em fila da luz das fogueiras
Para a escuridão
Atravessaremos prados cobertos de erva
Chão empapado, escuridão e chuva
Pesada e persistente, fria e mordaz
Que pinga para dentro
Sem uma estrela para nos guiar
Ou Lua para iluminar o caminho
Cada um com um único olho
Conseguindo ver o rio a reluzir
No vale, cheio de sonhos e ilusões
Como fantasmas na madrugada
Alados pelo medo
E os redemoinhos escuros arrastarão
Dois cisnes pela corrente.
Olhos postos nos pântanos varridos
Nas grandes e descoradas ondas de chuva
Os dois por entre o torrencial
Até ao cume, regressávamos a casa
E descíamos como tolos os caminhos
Do destino, sem falar,
Com a cabeça descoberta sob as estrelas
E as sombras da noite estendiam-se longas
Escuras, pela terra coberta de erva mortiça
Será que os deuses precisam de homens?
Ou somos como cães a ladrar para chamar os donos
Que não querem ouvir?
O caos vencido pelos poderes do mistério,
O dia dava lugar ao crepúsculo no chão
Musgoso por baixo da sombra do carvalho
Enquanto a mente se afundava nas trevas.
A geada estalava debaixo dos nossos pés e estava muito frio nas folhas castanhas. O céu cinzento tinha a mesma cor acre e amarelada da espada, enquanto o Inverno repousava taciturnamente escuro na erva. O céu está vazio e o fumo mantém-se rente ao chão. Nenhum de nós era maior do que uma criança dobrada mesmo no centro, cinzenta e lisa. Rezámos uma oração e em seguida o rei menino foi exibido à volta da parte exterior das coisas. Depois, voltá-mo-lo contra o Sol. Uma criança colocou uma rosa em frente dele, e a espada partiu a pedra. Pelo portão, via-se cair uma saraiva gelada, e uma lufada de vento fez que vergastasse o espesso colmo do telhado e agitasse as chamas, as nuvens afastaram-se e revelaram um brilho por entre o tremeluzir das estrelas. "Sim, minha senhora", disse, e olhei com ela para a interminável extensão de planície à nossa frente.
Odiar-te, Se a noite entra para nós E a miragem no suspiro Porque a língua da chama Limpa e reclama O seu ciclo venenoso.
Amar-te, afastar-te de mãos leves e braços caídos como amantes de livros velhos esquecidos em clavículas arranhadas pelo sabor do suor que te escorre pelo corpo em viagens desesperadas.
Comprimidos no desejo Da madrugada passageira Loucos na solidão Da brasa altaneira Famintos canibais Sem confessar que o somos Ou se acabamos e o cais.
Era uma mulher de rosto fino
Cabelo tingido de vermelho-ferrugem
Esbelta negro e afável
Com um pesado cinto de lontra
Pele de prata e ouro
Reluzente pulso e pescoço.
Um grito feminino rasgou a noite
E atravessou velhos edifícios
E alcançou a ilha dos mortos.
Foi nessa altura que cresceu a minha primeira barba.
Meio-dia mergulhou no verde a Sul. O grande bosque amortecia as nossas asas. De vez em quando ouvia-se um pombo fazer barulho por entre as folhas, o matraquear de um pica-pau num tronco de árvore, uma mulher que lavava a roupa na casa dos espíritos da água. Ouviam-se também as flores a salpicar as pastagens. Mas as nossas asas, o grande bosque amortecia. Um veado saiu a correr do bosque e apareceu no limiar do arvoredo. Ouviu-se uma corneta. Lá ao longe, outra corneta, depois o zumbido das abelhas no rio. O fumo infestou a tarde, a morte infestou o reino, não para nele viver e proliferar, mas para o matar. Chegara a idade em que os tronos nada mais eram do que cadeiras e as terras vazias, impossíveis de ocupar, não cessavam ainda assim de convidar as lanças. A Sul do rio bois castrados deslocavam-se pesadamente, como se nos vissem, e para os ver, veio o rosto de um homem. Cobri-o de cicatrizes, abri-lhe a boca, os dentes amarelados. E à nossa volta o bosque verde estava quente e esbaforido e eu conseguia sentir o cheiro do homem, do suor que escorria para os seus olhos enquanto o terror gritava. A alegria e o medo são exactamente a mesma coisa e a alegria é para quem age. Vi o sangue avivar o dia e o pescoço tornar-se madeira podre. Alto nos ramos das árvores, um pássaro piou, e as nossas sombras espalharam-se à nossa frente e a erva foi comida, com as margaridas, com as centáureas azuis, as tasneiras.
O Oeste caia numa chuva miudinha e iluminava as tochas apagadas da escadaria. A praça era de vento batido, e brilhava. No meu centro alguém desatou a rir, a vibrar pelos telhados, a ecoar no céu louco e furioso. Deixei-me cair nas pedras, uma coisa sem forma e a tremer. Na verdade os tronos nada mais eram do que cadeiras.
Lua. Morta na pedra. As palmeiras a esvoaçar o azul escuro. O sangue das nossas mãos. O sangue. Das nossas mãos.
II
Agora não há nada que te prenda aqui. Disse a rapariga de branco. Ela pensa que te moves dentro das suas pálpebras. O ar mudou. De repente já não escrevia. O banco contra o sol morno da carcaça daquele dia convidava-nos a sentar. O amarelo espalhava-se por tudo, tórrido e mudo. O inchaço dos teus olhos. Contra o ar de chumbo entre nós. Não há clarão nos dias tempestivos que não seja tenebroso. O peito do homem caia aos trambolhões pelo precipício da sua desalmada inclinação. Não tentes olhar para mim antes do dia acabar.
III
A carne viva. A febre. A tontura. Ofegante. Ofegante. A arranhar-se contra as paredes de si. A tontura liberta contra tudo. Perdeu a memória. Disse. O taxi. Perdi a memória. Os olhos lançados contra o lamaçal poeirento do tempo ausente. A mão suada e rigida como a de um peixe morto no gelo da eternidade apodrecida. A testa a ferver com os desvarios da origem. O banco afunda-se para dentro de nós e quebra-nos os ossos. Há um adeus nas carnes a soldo. Tudo era um peixe e o seu olhar vidrado quando olhavas. Tudo era água fria. "Devias beber mais água", dizia nua a meio do oceano infindo, sem costa, inútil, insólito. Tudo inútil.
IV
As plantas. O caminho de terra móvel parada. O vento claro e ofuscante. O sol tímido e afogado. A tua figura recortada e primordial. As pernas grandes e chamativas, como a cauda dos peixes-homem. O cabelo de algas. Achavas provavelmente que eu não sabia o que era estar morto a só existir letras. Ah, mas as minhas personagens a cruzar para este mundo sem morrer de febre. Débil. Débil. Débil. E os meus músculos a enfraquecerem na tua morte adornada de chifres. O meu calor a ser um frio maior. Não. Não te esqueças que sorrimos. O metro com a boca enorme. A cuspir o bafo do adeus. Tudo a apagar-se e eu a sorrir. Idiota contra os dias. Idiota contra a palidez das memórias da infância. Idiota contra a luminosidade das clarabóias distantes. A passeares-te monstruosamente saída de mim. Metropolis. "A seguir, não me lembrava de nada, ou de ter saído de ti. Só me lembro de um velho, o eterno homem, um pé entre as ruínas" Lembras-te de mim?
V
A cabeça do mar estremece no meu punho. A mulher morreu para eu viver. Todos os Homens, todos os Monstros engolem serpentes.
Da tua flor a tintura da vida, da tua canção a sombra fresca na terra. Morre a águia e morre o tigre, e cobrirás a pincelagem primeira, da amizade, da nobreza, do amor fraterno, com a sombra negra da terra.
Uma larga plumagem é o teu coração, e de puro jade é a tua palavra, ó Pai!
Tende piedade de mim e sobre mim pousai um olhar misericordioso, porque será por um momento breve, como, em oferta à Mãe Morte, abrem os frutos azuis os corais de flor e canção.
Blood Gatherer
We shall not for ever die; even the grains of corn we put under the earth grow up and become living things.