quinta-feira, 7 de março de 2013

No Céu - O Fantasma de Heidegger


baseado num sonho de Constanza Muirin


Há fogo.

Vento nos meus calcanhares. Fogo no meu rosto. A noite espessa encobre-me, mortalha de archote, e desço, um cometa lento e obstinado, as ruas de pedra que se precipitam descontroladamente móveis em direcção ao mar. Os bares estão abertos, com abismos gelados e sem fim sentados ao balcão à procura de calor. As mesas e os bancos são corridos, de madeira, os inquilinos estão de luto, como uma procissão funerária que desistiu da sua vigília e se refugiou no vicio, ofendida por me abrasar na pedra, quase tímida, quase indiferente. Sonhei com estas pessoas, um dia, e por isso, perderam os sonhos para mim. O avantajado paredão de pedra trava a precipitação das ruas, segura-me com brandura e desce-me até ao mar na orla das casas. As casas não ostentam mais que um piso, e todas com pessoas que não estão, que não estarão porque nunca foram. Mas existem espelhos. Sim, esta é a Noite Dos Tempos, e, desta vez, nada se perderá, porque o homem aprendeu a escrever, a ser-se fantasma, e o céu a respirar com pulmões que se assemelham a punhos de sangue, a respirar com os peitos abertos e reunidos de todos os meninos e meninas que cresceram sem querer para fora do mundo. O paredão olha para a noite sanguínea a palpitar. É sempre nocturno em toda a cidade. É sempre céu. Os monstros marinhos dizem que entre, estavam à minha espera, todos monstros porque existirão também quando eu partir, e quando não couberam nas dimensões incandescentes da minha cabeça e eu chorar, continuarão a existir e a rir tristemente com o ruído dos monstros da água.


Horned Wolf

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