domingo, 17 de março de 2013
A Cidade Que Não Dorme
No céu ninguém dorme.
Ninguém, ninguém.
Ninguém dorme.
As bestas lunares farejam
a patrulhar o desfiladeiro.
As vitais iguanas
mordem os homens que não sonham,
e o homem que foge,
o seu espírito quebrado,
encontra na estrada
o improvável crocodilo,
imóvel sob
o debate suave
das estrelas.
Ninguém na terra dorme.
Nem um, nem um, ninguém.
Ninguém adormecido.
No distante cemitério
propaga-se um cadáver
três anos lamentoso
da saúde estilhaçada
que suporta;
e o rapazinho
enterrado esta manhã
chorava tão estrondosamente
que os cães foram levados
a acabar com o seu pranto.
A vida não é um sonho.
Cautela! Atenção!
Em guarda, todos!
Pela escada da vida
havemos de tombar
para comer chão árido
ou subir à faca-
limite da neve
entre floridas
canções de desolação.
Mas não há
memória;
não há
sonhos;
Há carne.
Carne apenas.
Aqui está carne.
As nossas bocas tacteiam beijos
no labirinto de veias frescas,
e cuja dor na dor
ferirá todos os dias
e quem desejar afastar
da morte a casa
deverá para sempre ser
o esposo não-amado da morte.
Um dia
cavalos viverão
nos salões
e formigas enraivecidas
hão-de se atirar
aos céus amarelos
que se refugiam
nos olhos das vacas.
Outro dia
havemos de ver
as ressuscitadas
borboletas se erguerem
dos túmulos
por terra
de esponjas cinzentas
e ociosos barcos;
ainda capazes,
jovens ainda,
havemos de ver
as nossas jóias secretas cintilar
e as rosas açoitar
a nossa língua.
Cuidado! Atento! Em guarda!
Os homens que portam cicatrizes
de garra e tempestade,
e o rapazinho em chuva
porque não sabe
das pontes inventadas,
das pontes edificadas;
ou aquele homem
que possui
sapato e cabeça;
devemos a todos levar
à muralha
onde aguardam iguanas
cobras
e os dentes de ursos
se antecipam,
e a mão mumificada do rapazinho
trémula
e os cabelos do camelo
erectos
com o soluço selvagem, azul-celeste.
Ninguém dorme no céu.
Ninguém, ninguém.
Ninguém dorme.
Se um só fechar um só olho,
se alguma pálpebra desliza,
chicotes a abrem, e que batam!
A atmosfera que desejamos
é uma de olhos vastamente abertos
e feridas melancólicas incendiadas.
Ninguém está a dormir
neste mundo.
Ninguém, ninguém.
Repito-me.
Ninguém está a dormir.
Mas se algum se encontra
dorido
nos tornozelos
pela noite,
abram os alçapões
e que veja esse
ao luar
os traiçoeiros cálices,
e o veneno,
e as caveiras do teatro.
Federico Garcia Lorca
traduzido por André Consciência
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Magnifique
ResponderEliminarEpá não conhecia este, parece o Ducasse mas com mais Zombie que Vampiro, descobri outro à pouco tempo que me soa parecido César Vallejo, http://www.casadobruxo.com.br/poesia/c/caesar01.htm
ResponderEliminarHaha. Ducasse mais zombie que vampiro. Sempre pertinente, Zé.
ResponderEliminar"E o cego que morreu repleto de vozes
de neve. Madrugar o poeta , o nómade,
é um dia áspero para ser homem.
As Horas seguem febris e abortam
nos ângulos rubros séculos de ventura.
Quem corta o fio, quem desfaz
impiedosamente os nervos,
cordéis já gastos, na tumba?"
Não o conhecia. Vou pesquisar.
http://cowofdenderah.blogspot.pt/
ResponderEliminarNão conhecia a tua nova casa. Escreve mais. Vou juntar aqui ao lado.