domingo, 14 de abril de 2013

Raminhos de Mimosas





Não era bonita nem feia, mas o seu rosto possuía uma vivacidade e uma energia que dispensavam qualquer beleza formal. Invadia-a uma tristeza gerada pela inteligência. Ela sabia demais, já nascera a saber e era, afinal, de extremos, com ela era tudo ou nada. O nome dela dizia-se uma fórmula mágica: nomes de deuses do mar, da morte, da aurora, e, embora o escondesse, da guerra. Mas a maior parte dos nomes eram-me estranhos e ditos numa voz hipnótica e muito calma. E, depois, subiu para o monte de peles e cobertores onde se enrolou nos meus braços. O pó flutuava. Adormeceu com o seu corpo magro entorpecendo o meu braço direito. Eu fiquei acordado, receoso e confuso. A magia acontece nos momentos em que a vida dos anjos e dos homens se tocam. O quarto estalava e enchia-se de brumas. Os mortos levantavam-se. Mas houve um tempo em que ordenávamos a luz: nós cumpríamos as suas ordens, mas as suas ordens eram os nossos desejos. Uma coisa é verdade: em nenhum momento a minha vida foi curta, dominada pela doença, ou perseguida pela morte, e isto é o que menos se entende de mim. Sempre me senti como uma insígnia, capaz de derrotar na mesma investida um rei, um sacerdote e um exército. Os olhos dela brilhavam enquanto falava, nunca me ouvira falar destas coisas. Ainda há pouco tempo fora uma criança, mas agora deitara-se na cama comigo, e isso era a terceira chaga, depois da chaga do corpo, na deformidade, e depois da chaga do orgulho, no sexo. E a terceira chaga é a chaga da mente, na loucura. Os anjos adoram este lugar e aqui a bruma sagrada é espessa, mas a nossa tarefa é espalhá-la.

Lá em baixo nós estávamos cheios de peixe fumado, enguias fumadas, jarros de sal, barris de carvão, lingotes de chumbo, tecidos de lã, cestos de vime, ÂMBAR NEGRO. As nossas chamas troavam na escuridão para trazer vida nova ao mundo que renascia. Os espíritos dela iluminavam-se à medida que os dias se alongavam. As cicatrizes nas nossas mãos pareciam sombras. A terra renovava-se na esperança que brotava grande do vestido verde das folhas na Primavera.

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