domingo, 21 de abril de 2013

Rei Sem Terra





Uma procissão de donzelas trouxe flores para as rainhas
Por detrás do escuro veio de montes baixos ocidentais
Tochas chamejantes choveram nessa noite, e subiram
Homens com capas e sem chapéu, e os pardais consideravam-te
Um verdadeiro e amplo mundo.

Duas mulheres de asas iguais montavam o contorno vermelho
De um veado a correr, os chifres de uma criatura do mar
Mergulhavam numa taça. E as crianças faziam ninhos
Altaneiros.

Á luz do assombro, o teu rosto magro faiscava,
As mulheres atrás de ti soltavam gritos trémulos,
Agudas e em êxtase.

Violámos as nossas mulheres e assassinámos as nossas
Crianças, e ainda existiam as matas sagradas,
As cavernas, as caveiras dos mortos.


Horned Wolf

domingo, 14 de abril de 2013

Raminhos de Mimosas





Não era bonita nem feia, mas o seu rosto possuía uma vivacidade e uma energia que dispensavam qualquer beleza formal. Invadia-a uma tristeza gerada pela inteligência. Ela sabia demais, já nascera a saber e era, afinal, de extremos, com ela era tudo ou nada. O nome dela dizia-se uma fórmula mágica: nomes de deuses do mar, da morte, da aurora, e, embora o escondesse, da guerra. Mas a maior parte dos nomes eram-me estranhos e ditos numa voz hipnótica e muito calma. E, depois, subiu para o monte de peles e cobertores onde se enrolou nos meus braços. O pó flutuava. Adormeceu com o seu corpo magro entorpecendo o meu braço direito. Eu fiquei acordado, receoso e confuso. A magia acontece nos momentos em que a vida dos anjos e dos homens se tocam. O quarto estalava e enchia-se de brumas. Os mortos levantavam-se. Mas houve um tempo em que ordenávamos a luz: nós cumpríamos as suas ordens, mas as suas ordens eram os nossos desejos. Uma coisa é verdade: em nenhum momento a minha vida foi curta, dominada pela doença, ou perseguida pela morte, e isto é o que menos se entende de mim. Sempre me senti como uma insígnia, capaz de derrotar na mesma investida um rei, um sacerdote e um exército. Os olhos dela brilhavam enquanto falava, nunca me ouvira falar destas coisas. Ainda há pouco tempo fora uma criança, mas agora deitara-se na cama comigo, e isso era a terceira chaga, depois da chaga do corpo, na deformidade, e depois da chaga do orgulho, no sexo. E a terceira chaga é a chaga da mente, na loucura. Os anjos adoram este lugar e aqui a bruma sagrada é espessa, mas a nossa tarefa é espalhá-la.

Lá em baixo nós estávamos cheios de peixe fumado, enguias fumadas, jarros de sal, barris de carvão, lingotes de chumbo, tecidos de lã, cestos de vime, ÂMBAR NEGRO. As nossas chamas troavam na escuridão para trazer vida nova ao mundo que renascia. Os espíritos dela iluminavam-se à medida que os dias se alongavam. As cicatrizes nas nossas mãos pareciam sombras. A terra renovava-se na esperança que brotava grande do vestido verde das folhas na Primavera.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

O Tu


A beleza nos não mata
Para que, pequenos
Sejamos suficientemente
Para nos não suportarmos.

Relógio sem ramos, uma árvore suspensa
E a flecha de nenhum lugar ser imóvel
Excepto em mim, com a trova do invisível
E imortal corpo do intemporal

É que a rosa é o futuro do homem
E por detrás das estrelas
O homem é o destino da rosa:

Alguma vez reparaste como uma grávida
Porta no semblante o abstracto?
Vê, como a aragem oculta as árvores
E as minhas vozes de longe se apercebem
De mim, de mim em eterno retorno a mim
E tudo isto ser através dos astros
Que caiem na permanência do céu.

Sh... os corações são espelhos verdes
Disseste-me um dia a olhar de olhos munida
Procurei a tua raiz e encontrei a morte
O sangue do abismo, a piscar os rios
As mães de outrora, o excessivo peso
Da boca esmiuçada e esmigalhada
Das profetizas do riso.

Ouve agora os caminhos à noitinha
Os prados da trovoada enquanto
Te afastas dos pressentimentos e destinada
Ao Sono; e as estrelas eclodem da terra
Para te queimar os pés dormentes
Que o não sentirão, porque te sabes
Morta outrora e infinitamente
E te lembras das frágeis raizes que
Afundadas e sendo sepulturas
Se afundam ainda, e que mesmo assim
Te elevas no olhar do anjo para o qual
Nada um dia morrerá, e enche-te de admiração
Pois somos nós, e mostra-me as catedrais
Os estranhos pilones,
E os espaços a cair para o sopro,
O nosso alento, sigo
Á minha frente Deus e atrás o teu declínio;

Porque o futuro da flor era abrir-se para sempre
Mas foi o excesso que a tardou
Porque se abre o espírito à forma e
Quando a forma se abre devido a isto
Morre, e o espírito ri, e é esta que é
A profecia do riso, e por isso é que a melancolia
Das árvores chove, e primeiro foi um grito
De horror ao riso, e depois a ave
Da necessidade de raso e até ao longe o expandir
É no sopé da montanha que se te abraça
E no sopé da montanha que se te chora
E a terra escura cai
Contra a chuva
Floresce.

Ah, MAS para mim, repleto de asas
Onde te vês precepitada na morte
Uma criança à bola atirar-se
O riso. O riso.



André Consciência

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Morreram Jovens





Eu sentei-me á janela
E contemplei, a beleza móvel

A noite
Em todos os lugares idêntica
A cantar como um peito
A espiar como um anjo

O chão recebeu as tuas asas
Despedidas, eu fiquei profundo
Eu. E só a noite canta.

Cada ser carrega um vulto
Como uma harpa
E as flores, dos anjos débeis
Cairam à minha valsa
E então a mitigar
Eu findava
O que ainda te restava.


O chão recebeu as tuas asas
Despedidas, eu fiquei profundo
Eu e só a noite,

Sentei-me á janela
E contemplei, imóvel
A espiar como um anjo
A noite só.



Nunca mais
Serei de vidro.


Horned Wolf

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Infinitamente





Uma granada-coração atirada ao espírito do tempo, rebenta em invisível. A Babalith disse-me, "Depois do mundo findo, uma coisa subsistir é ser templo, quer dizer, é haver um local de prece a outra coisa". Na praia, ficávamos a falar da dimensão universal, e das angústias que a percorriam. Por exemplo, cada novo filósofo com uma nova filosofia é um talhante a torturar a carne inocente da consciência não enquanto algo abstracto, mas enquanto dia a dia desde o homem simples ao complexo. Gostava muito que estivesses aqui, a dar sentido a Kiekrgaard, Bergson, Nietzsche, Freud, porque o equilíbrio encontrado no teu silêncio se exalta e proclama. "Não houve nenhum grande poeta", respondo-lhe. "Só os que se conheceram em mesas de café" e ela fica sem resposta, sabe que acredito precisamente no contrário: não há nada que se diga no papel, mas muito menos no café. James Joyce, Eliot, Rilke, como feridas amarelas na explosão de um coração que só queria saber o cascalho contra a electricidade húmida da pele no odor. Babalith, ruiva e com os cabelos ao ar, é uma mulher jóia e despida de jóias. É a minha mecenas, segura todas as minhas mentiras numa mão e trata-as com a simplicidade que se trata a folha de outono a descer a rua ao baloiço do vento, e isso tudo fica uma honestidade de me expressar verdadeiramente. Ela podia ter sido freira, amante abandonada, infeliz, em vez decidiu ser uma parte de mim, um consolo por eu ter nascido sem escolha a não ser aprofundar-me como se a alma fosse uma úlcera na percepção. No Inverno, surgiram os anjos, e eu enlouqueci. Nesta altura não havíamos ainda privado mas ela cantava já as minhas grandes amantes futuras. E sempre que as cantava dizia só: a meio de silêncios: dizia só: «Passagem para o Aberto».

Ela não gosta de Picasso, Picasso interrompe-nos de nós mesmos e por isso um do outro, mas não vê os saltimbancos como eu, nos saltimbancos vê o que eu no Picasso vejo. "Já reparaste como vivemos energicamente a imagética dos castelos? Quando estás num castelo. Certo? Há uma pertença maior que nos tumores da cidade." Sim, respondo-lhe. "E no entanto todos são ruínas. Os índios sabiam que tudo era música. Atrás, há poucas ruínas de verdade, porque a época medieval era uma época sonora. Não era visual, e a escrita pouco se usava. No som há pertença, a vista queima. AS RUÍNAS sâo por isso do futuro, que apenas se visualiza." Gosto muito de conversar. Digo-lhe: "Se fosse ela dizia: anota", mas Babalith nunca ouve, se falo de outras mulheres, fica onde está, com a luz dentro do ar da Primavera também dentro dela a passar como o ar passa e a ficar como fica o ar. De repente ela imobiliza-se triste, os olhos a brilhar de beleza humilde e eu soluço pesadamente, contraído. E ficamos assim, a contactar as coisas na sua inefável realidade. "És um tolo." Interrompe. "O poeta aceita, não recusa. Sente recusa o universo não-poético: o homem que segue uma imagem escapa dela. O poeta aceita porque se aceita, e não segue. É facilidade, não ascese." Eu interrompo e sorrio e fico embelezado de olhar também. "É triste em que não há para ele conquista, tudo é dádiva."


André Consciência

Mas...

C. M. - André Consciência









Lá fora estão as ruas. Os campos. Eu estou dentro de mim.
A minha solidão acorda de manhã e põe-se a dar os meus passos nos meus passos.
Os grilos cantam e eu fiz uma fogueira, os grilos também crepitam dentro de mim e a fogueira está sozinha.

Eu sou como uma planície verde e sempre jovem que o homem não tocou
E eu toquei-te.

Eu sou como a lua antes da primeira mulher chorar
Ou os balões que sobem no céu e nunca mais se perdem.

E neste ser assim sempre jovem e invocado
Tu deitas-te no meu prado como um sol a arranhar-se contra as pedras
E a ficar suave
Eu permaneço ermo e cheio de ti e só existo eu
Sozinho
E uma fogueira que um deus fez nesta terra neste eixo de sangue
Antes da primeira morte.

Lembra-te de mim
Ainda que a minha velhice
Faça recuar o fim do mundo
Lembra-te de mim para sempre
Mesmo que breve tenha sido o nosso discurso
E a minha abóbada não estremeça
E eu seja límpido como o azul
Sem haver ainda a tinta
Lembra-te de mim enquanto tremo
E a ausência estala a carne
Porque nunca houve parte de mim
Que não fosse renovada
Por eu ser parte dela.

Ama-me para sempre
Mesmo que tenhas prometido
Que eu fiquei atrás
De ter ficado aqui.


André Consciência

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Prece do Neófito

NÃO ROUBEI O LEITE DA BOCA DE UM MENINO.
NÃO DETIVE AS ÁGUAS QUANDO ESTAS DEVIAM CORRER.
NÃO EXTINGUI CHAMA ALGUMA NA HORA EM QUE ARDE.

SOU PURO SOU PURO SOU PURO

terça-feira, 2 de abril de 2013

Um Grande Emaranhado de Chifres

Dedicado à Anue




Recuou com o horror a olhar no rosto.
O medo vivo afastou-se mais um passo da porta aberta.
Uma penetração chorava enquanto no menino
Com angústia no olhar
O bastão entrava a movimentos insistentes.

Estava nua, e o seu magro corpo
De pele clara
Gotejava do cabelo
Os seios pequenos
Escorriam em arroios
Descendo até às coxas.

Um homem imolado na pele morena
Acima do seu próprio rosto, com relevos
O pescoço delicado segurava
Os braços de um homem morto.

A medida caminhava na direcção da máscara
De uma coroa
A pele amarelada contraia-se
Solta pelas costas
Com passo irregular.

O branco ensanguentado avançava
Contorcendo-se, reluzente e fremente
Nos corpos negros
E a boca vermelha, presa ao cabelo
Procurava correr para os alvores
Da manhã na porta aberta,
Mas a gordura rumorejava no tecto
E a chapa de cobre reflectia o seu corpo nu
Talvez porque todos tinhamos corrido nus
Enquanto crianças. Como tinha conseguido
Fazer penetrar a cabeça?

Um manto preto
Cobriu o sangue
Da sua pele clara.

A cama tinha um sobrecéu de um tecido
Bolorento. Um barulho de coisas partidas
Soou.


Horned Wolf