quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Peixe-Lua



Uma ave desce na chuva, o dilúvio que o decora, decora-me. Eu, que sou um desejo tão antigo que se esqueceu por quem. Lá fora os homens e as mulheres de cio, iluminados pelas feras nocturnas, não me conhecem. Na praia, rompiam-se as neblinas altas dos abismos e falei-te, tu ouviste-me, quando falaste fiquei a ouvir-te: e com esta loucura julgam os deuses perder a razão, mas quando o fundo purpúreo da terra com todas as suas estrelas em cor de cereja se erguer, uma e outra vez, arrastando a noite à queda, e as magias onde vivo me deslumbrarem uma vez mais, tudo o que é sólido será ainda mais sólido, evaporado, e é dessa paixão que a madrugada acende as brasas todas do mundo, e eu ainda não me lembro. É manhã.

A terra tinha o teu sabor e bebia-me os olhos.
O tempo passa como uma neve cinzenta nos nossos cabelos.
A dor ilumina-se, a fingir uma luz que resgata.
Inicias um labor nos meus ossos, mais velho que eles.
Tudo se evapora, excepto o coração do homem morto,
...e como ele ama...
Terás sido talvez alguém que me procurou encontrando
Os meus pertences de defunto
Enquanto para mim uma fundura térrea se abre de tu seres
E não se queda jamais.

As minhas mãos têm entre os dedos
Líquenes que brilham
Luminescentes como uma vigília no sono
Não terão sido sempre sós.

Havemos de fumar um cigarro e olhar o mar.


André Consciência

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