sábado, 29 de setembro de 2012

Formas de Ferro




No dia do meu desapontamento

Havia rosas num mar de ferro
Não significávamos nada
E as nossas memórias sido mijadas
No topo, por mulheres furadas, e,

Com formas de leitão.


Horned Wolf

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Todas as luzes são as últimas


Last Lights - Tomabw




Visitava palácios de duendes, corais de musas, catedrais de anjos.
Há três formas de ser poeta, e nenhuma delas - existe.
Se via uma pessoa a caminhar na minha rua de palha e árvores
Pedras e cobrinhas, permanecia quieto como o mar antes
De ser mar
Sentia que o amor - ali chovia com força
E derrotava o facto da pessoa ser pessoa
Pele sem limites, quente com alma.

Se toquei a primeira alma fiquei noite
O amor procura o mundo para ser calor
Mas eu não sou do mundo. Fora do mundo
O amor é gelo que preserva o Anjo.

As minhas mãos acenderam-se: nas pessoas
As mãos são a parte da alma que está no mundo
Não existe nada sobre os sentidos
Que possa ser verificado.

O meu rosto mentia sobre tudo
Mas a culpa nunca foi minha
É a natureza dos rostos expressar-se.

Fiquei quieto, muito tempo, mesmo muito tempo
As mãos mexiam-se no vento, no baloiço
Da trepadeira, no coração apaixonado das meninas
Que ainda se apaixonam a fingir a sua própria
Crença, na videira das manhãs que roubam
O toxicodependente da loucura
E arrastam os filhos das mulheres
Aos pesadelos sem solução.

Quase desejava não ter rosto
Que me tocassem no gelo
Mesmo que morressem
Porque o frio não morre.


André Consciência

O mundo sem um mundo






O silêncio aumenta com os dias, dentro da neve.
A boca dos lobos, pendente e morta.
A pele macia da tua presença sorve a voz
Para brilhar o alto.
As memórias pairam sobre o chão moscado
As almas vertem-se na bacia dos vendavais
Do esquecimento.

Ergue-te, coisa amorfa
Do que foi confiança
No meu dissemelhante:
O coração um corvo cego
Na cabeça um martelo.

A eternidade é um machado
Que corta a vida
Do seu outro lado
E não restarão então banheiras
Para arrefecer a tosse
De estar vivo.

Os outros, que caiam
Como maçãs, surdamente
Na neve muda: os milagres
São um cântico
Ao contrário.


Horned Wolf

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Malak IX



Quantos dias passaram? Aqui as noites são da cor da uva, os dias são como um pôr do Sol em constante chuveiro, são muito amarelos. Passaram-se alguns dias, como punhados de décadas. Vi as primeiras gerações crescerem no Reino, todos me tratavam como pai e irmão, eram uma família, e eu distante, diferente. Não sei porquê. Depois na longa marquise vidrada vi chegar um pássaro brilhante como a estrela prateada. Foi igual a ver chegar a minha alma. Abri as janelas quanto pude mas tarde demais. Não voltei a falar desde esse dia. Quando me senti imóvel como uma raiz pus-me em viagem e nunca comia muito. As  auroras boreais de Outono perseguiam-me ao longo de todo o mar estreito. Por vezes subiam do Sul, numa fúria de relâmpagos e névoas verdes que levavam dias a cair. Por vezes desciam do norte, frias e graciosas, com ventos selváticos que trespassavam as tábuas. Uma vez ficara tão frio que quando acordei encontrara todo o navio coberto de luz, gelado, branco como uma pérola. Outro dia encontrara-me a sonhar aos pés de pedra de um senhor do céu qualquer, há muito morto, vejo uma estrela vermelha a sangrar no céu. Ainda me lembro do vermelho. E a ave voltou a mim, não cantava. Nunca cantava mas tínhamos uma aliança silenciosa e compreensiva. Quando notei em mim: conversava. Voltei a fazer famílias. E uma daquelas noites em que os clarões violeta pairam no ar com preguiça, a ave abriu o bico, como tantas vezes fazia, mas desta vez cantando. Uma implosão fez-me lembrar de tudo. Nunca fui humano, sempre o soube, mas construí uma muralha entre a solidão e o ser, e a principio fiquei em nenhuma das fronteiras. Agora a ave cantava e o seu cântico era a minha morte. O meu corpo sangrava azul e a multidão foi buscar paus e navalhas. 


André Consciência

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Eterno Crepúsculo



A escuridão caia sobre a cidade e, ferida, arrastava-se por mim, pelas vielas, pelos canais, agarrava-se às habitações. Há duas noites, estava em pé junto à janela, não sabia se devia praguejar ou chorar enquanto via a última luz do Sol desaparecer atrás de seios bicudos. Mas há muitos anos, nesta mesma orla de cidade onde repousa a lagoa, uma agonia repleta de luar ouviu-me cantar, sobre uma cortesã, e recompensara-me com um beijo, um estrondo oco ecoou sobre os telhados, um trovão distante. Depois, todas as pessoas se tornavam velas, mas nenhum fogo me queimava. 


André Consciência

Peixe-Lua



Uma ave desce na chuva, o dilúvio que o decora, decora-me. Eu, que sou um desejo tão antigo que se esqueceu por quem. Lá fora os homens e as mulheres de cio, iluminados pelas feras nocturnas, não me conhecem. Na praia, rompiam-se as neblinas altas dos abismos e falei-te, tu ouviste-me, quando falaste fiquei a ouvir-te: e com esta loucura julgam os deuses perder a razão, mas quando o fundo purpúreo da terra com todas as suas estrelas em cor de cereja se erguer, uma e outra vez, arrastando a noite à queda, e as magias onde vivo me deslumbrarem uma vez mais, tudo o que é sólido será ainda mais sólido, evaporado, e é dessa paixão que a madrugada acende as brasas todas do mundo, e eu ainda não me lembro. É manhã.

A terra tinha o teu sabor e bebia-me os olhos.
O tempo passa como uma neve cinzenta nos nossos cabelos.
A dor ilumina-se, a fingir uma luz que resgata.
Inicias um labor nos meus ossos, mais velho que eles.
Tudo se evapora, excepto o coração do homem morto,
...e como ele ama...
Terás sido talvez alguém que me procurou encontrando
Os meus pertences de defunto
Enquanto para mim uma fundura térrea se abre de tu seres
E não se queda jamais.

As minhas mãos têm entre os dedos
Líquenes que brilham
Luminescentes como uma vigília no sono
Não terão sido sempre sós.

Havemos de fumar um cigarro e olhar o mar.


André Consciência

sábado, 8 de setembro de 2012

Além-bismo




Dentro da casca que não se parte por estar quente
As estrelas guardam as suas premonições:

Existe uma esperança interna às coisas simples
Mas o sangue diz-nos que somos em todos os momentos
Como se a esperança fosse os momentos que já são.

Abandonado o rio, caímos como pássaros finalmente vivos,
Como a areia, voamos em círculos.

Onde está a escuridão penetrante das auroras mortas
Olho para esses momentos, o rosa dourado...

Soraya Moon & André Consciência