terça-feira, 17 de julho de 2012

Deserto




Cavalguei até de madrugada enquanto as estrelas olhavam para baixo como se fossem olhos, e os dias que vivi são tão incontáveis quanto as há no céu. Gostava de dormir no salão arruinado, sob a lua e sob as estrelas, apertava-me à pele de leão e sempre que regressava trazia uma nova canção. Gostava de penetrar um circulo no meu coração, ver as últimas luzes que desapareciam a ocidente e as tempestades que se enfureciam para norte, mas o peito estava acima das chuvas: não, não acima do vento, que se faz sentir como se alguém nos puxasse pelo manto: é que o coração, e isto é quanto mais alto é, está assombrado: olha para as profundezas das chamas como se nada mais existisse no mundo inteiro. Hoje, o cabelo cai-me às mãos-cheias, ninguém me beija há mil anos, e não gosto das chamas pois o carvalho sonha a bolota e a bolota sonha o carvalho e o fogo é tudo aquilo que separa a vida da vida. Puxei o capuz do manto para cima da cabeça, e encolhi-me, empapado e a tremer de calor, sem jamais esmorecer. Os cascos do cavalo faziam sons de sucção ao libertarem-se da lama. Cavalgava para Sul, a fim de defender um castelo vazio, uma aldeia queimada entregue ao archote anos atrás, casebres enegrecidos e sem telhados, ervas daninhas que me davam pela cintura.            


Horned Wolf 

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