quinta-feira, 31 de maio de 2012

Em Busca da Origem do Nilo


sen benim zamanımsın


Agora,  para onde quer que olhássemos
Víamos grandes árvores
Com vastos espaços verdes entre os fantásticos
Troncos, à distância, monumentos
De granito cinzento
Nas planícies de erva amarela
À sombra frondosa dos bosques
De acácias, começaram a mover-se.

André Consciência

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Arquivo

I

Pela espuma da manhã, passam,
Nus, os teus membros.

Saúdo-te, os teus seios pintados
Num poema que do corpo não fala
Nem descreve a sombra alta
Do teu vulto na manhã.



II

A espuma do crepúsculo rende-me
E o corpo,
Despido e vencido
Debaixo daquela manhã
Descreve-te horas a fio com vento
Que me passa na pele, no cabelo,
No papel.


André Consciência

sábado, 12 de maio de 2012

Albatroz Errante




As estrelas na carência.

Eu, também, um dia
Fui de Sol, sentia-me a nascer
A luz quente de enternecer.

Morremos, se morremos,
E gloriosa a chama há
Dessa incumbência
A latência da latência
De um dia matar
A solidão de todos
Os outros dias.

Nada passa, nada consome
Mas contra a costa um barco
Enfurece, e tudo em nós
Se torna cântico de nenhuma voz,
Que só ouve... o albatroz.


André Consciência





É alto mar, por vezes, a marinhagem cai
E caça um albatroz, ave enorme e feroz,
Que num voo triunfal, numa carreira assaz
Faz seguir pelo azul a viajante embarcação.

Mas quando o albatroz preso, e suspendido
Nas tábuas do convés, - pobre rei em vão temido!
Que dó nos traz, humilde e constrangido,
As asas imperiais caídas para os pés!

Rei do espaço, eis perdido o seu nimbo!
Desproporcional e gentil, ei-lo grotesco e imbecil!...
Ao bico um leva o fumo do cachimbo
Outro mutila a pata da ave inerme.

O poeta é como esta marinha águia
Que desdenha a bússola, e afronta os vendavais;
Exilado em terra, entre escarninha plebe
Não o deixam caminhar as asas infernais!


Charles Baudelaire, in "As Flores do Mal"
Tradução de André Consciência

domingo, 6 de maio de 2012

Since 1985


Deste ponto a ponto distinto
César vive e espalha a sua rede
De pescar espíritos.

Nos anos trinta, a Queda do Homem,
Na altura eu e tu comíamos pizza
- Em Leiria -
E na televisão os coros apostólicos
Rodavam as nossas cabeças com
Canais da MEO.

Nos anos subterrâneos era tudo
A Palestina, com os super heróis
Mitológico-americanos
A rir-se debaixo da Lua
Dos monhés armados,
Eu fumava na banheira
O cigarro que tu também
Experimentavas em mim o bâton
Que nunca usaste em ti
E com água nos dedos
Lavavas-me lábios.

Nos anos 40, a Casa Branca mudara-se
Para o fundo do oceano, e ali escondia
As suas mentiras; à superfície
As habitações ardiam.

Era a Noite dos Mortos
Eu estava desesperadamente só
E o telemóvel, que me não deixava
Paz.


André Consciência

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Seal of the Prophets

Lucifer - Guillaume Geefs 

Quando o Sol desmaiava no horizonte recortado de granito, eu prosseguia. O deserto à minha volta, imóvel, movia-se ameaçadoramente. Tão intenso que mesmo o meu espírito forte se sentia igualado. A minha coluna ondulava como uma serpente ferida pelos filões de rochas negras e pelas dunas de tons verdes, seguindo a estrada antiga, ao longo da qual nenhum viajante se conhecia haver passado. 

Quando a noite por fim se levantou sobre mim, o céu ressuscitou com tantas estrelas eclipsantes e a areia do deserto encontrava-se tão brilhante, que do lugar onde eu ia a trezentos passos conseguia ver a estátua da humanidade, longe de todos os homens e de todas as mulheres.

Horned Wolf