sábado, 12 de maio de 2012

Albatroz Errante




As estrelas na carência.

Eu, também, um dia
Fui de Sol, sentia-me a nascer
A luz quente de enternecer.

Morremos, se morremos,
E gloriosa a chama há
Dessa incumbência
A latência da latência
De um dia matar
A solidão de todos
Os outros dias.

Nada passa, nada consome
Mas contra a costa um barco
Enfurece, e tudo em nós
Se torna cântico de nenhuma voz,
Que só ouve... o albatroz.


André Consciência





É alto mar, por vezes, a marinhagem cai
E caça um albatroz, ave enorme e feroz,
Que num voo triunfal, numa carreira assaz
Faz seguir pelo azul a viajante embarcação.

Mas quando o albatroz preso, e suspendido
Nas tábuas do convés, - pobre rei em vão temido!
Que dó nos traz, humilde e constrangido,
As asas imperiais caídas para os pés!

Rei do espaço, eis perdido o seu nimbo!
Desproporcional e gentil, ei-lo grotesco e imbecil!...
Ao bico um leva o fumo do cachimbo
Outro mutila a pata da ave inerme.

O poeta é como esta marinha águia
Que desdenha a bússola, e afronta os vendavais;
Exilado em terra, entre escarninha plebe
Não o deixam caminhar as asas infernais!


Charles Baudelaire, in "As Flores do Mal"
Tradução de André Consciência

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