sábado, 28 de janeiro de 2012

Ketsár-ruách



Luz

Pisei o templo, com luz no pescoço
Pulsante, o meu movimento
Era amor que vai contra o tempo.

Que liberdade maior, que ser-se Deus
Nas rotas infinitas de um adeus,
Ou o harpão de Neptuno
Nas mãos benditas de Juno?


Obra a Negro

Um Deus munido de conas
Arrastou-me a peregrinação
Do sangue
E largou do meu coração
Quebrado como uma maçã
Arrojada e podre
As sementes que hoje são voz.

Ah, por amor deixei cair
A própria dor,
Pesa-me a ausência
E esperar que cresça
No centro esvoaçante do Inverno
O Verão Eterno

Nas nossas bocas.


Saturno

Escuta, a luz parou de cintilar
Há aranhas nos veios tubulares
Que rodeiam a garganta, esganada
Deste cão negro e sem nada
Deste deus que se vira para morar
No traiçoeiro mar
Da luz sem vento.

Quantas ninfas se estendem para mim
Com seus membros de marfim
E quantos coros na voz de um serafim
E quantos eunucos se contorcem
Para a vivência palpitante do meu pénis
Com cores de arco-iris
E depois as mãos aguadas com sangue
Os membros lavados com sangue
As pernas de pau espetadas
No abcesso do que havia de ser asas
Pénis retalhados na mesa de cinza
Colocada sob a testa de um equilibrista sem peso.

Come rosas, aspirante ao fogo secreto
De noite olha o céu e não deixes nenhuma estrela
Sair do eixo, não fites tampouco o chão
Porque o chão esmaga-te.

Não esperes superar-te, massa de pó
E pedaços de marisco cansado.

Olha, como a tua amante te morde as feridas
E confunde o pus com a luz.
Esconde-te do mundo, sua merda.
Esconde-te do mundo.

Despedaçamos-te com uma multidão de sorrisos
E seguimos-te o rasto para o paraíso mecânico
Das velas sem pavio.


Lua

O açúcar amarelo, de manhã
A palpitar de embate aos resíduos
Do ar da noite.

Sabias que te amo? Amanhã também
E enquanto o globo for portador de electricidade
E a paixão for uma miragem, uma vaidade
E a verdade sair do cu
E não de Nu.


Mercúrio

Mercúrio, alinhado com aquele augúrio
De se falar sem língua nenhuma
E deixa que o filho esgane o pai
E do seu estômago escapem promessas
Com mandíbulas várias
Para comer assim devagar
O peito de quem ousa amar.

A candeia de vidro em prata
Derrete-me a pele, Pai.

Derrete-me a pele
E não há no mundo
Terror maior
Que perder a forma humana.


Vénus

Em Vénus, deveria escrever com desenhos bonitos
As figuras todas do fotograma
Dos teus movimentos quando vieste
Das longínquas espanhas.

Não temas, que eu me lembre de ti
O teu fogo é no meu, e será sempre
Aqui.

A luz do meu pescoço está no teu
Agora
E tu és menina que guardei nas praias
De outrora
Nunca mais dormi
Os meus olhos são estrelas
Ardem em ti
Quando os reconheceres
Dormirás
Para eu poder dormir.

Para eu poder dormir.

No fim de tudo.
No fim de tudo.
Praias lamacentas.
Nós bébés
Com placentas.
Por favor.
Nós bébés
Com placentas.

No fim de tudo
Um nenúfar abraça uma jóia
No lago escuro
Da solidão
Ainda o muro.


André Consciência

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