Hoje consegui expandir os meus horizontes, descobri, junto à larga e envernizada porta da entrada do Santuário, um homem de casaco cinzento e cinzentas as roupas, que toca accordion incansavelmente. Falta-lhe uma orelha, na qual usa gesso, e tem um violino, com a sua caixa, aos pés amarrotados, para onde ninguém deita moedas nem notas. As notas e as moedas não são parte do Santuário, mas as pessoas continuam a mover-se à imagem da sua existência. À medida que toca parecem existir rachas nas paredes que mudam de direcção e dançam formas, mas eu creio que estas rachas são uma ilusão óptica do próprio som. Perto da caixa do violino, estão pedaços de jornal rasgados, talvez para lembrar o dinheiro em papel, e está um cacho de bananas. Por vezes, a ladeira do outro lado da porta, abre-se, e a face de um pequeno macaco com sinos, espreita de olhar tanto curioso como amplo e vazio. Encontrei também, na retaguarda da quinta, a lixeira, onde habitam inclusive as prostitutas, embora seja difícil distingui-las excepto pelas formas das latas. Ai, podem encontrar-se, nas laterais, urnas e pequenos caixões – provavelmente de crianças. No portão de entrada, todo ele de latão, uma caneca grande de cerveja, sempre cheia.
Podem encontrar-se palmeiras, depois do rico e imponente portão de saída do Santuário, formam um corredor e de um lado do corredor, campos de milho, do outro, a casa dos escravos. Por vezes, os aristocratas de chapéus-de-chuva e bigodes espiralados, vão confessar-se aos escravos. No caso do escravo retorquir, é mandado açoitar por outro escravo e eles observam atentamente o menear dos rabos como se de eclipses se tratassem. Em muitas ocasiões, se a sessão for longa, podem ser vistos frutos a amadurecer e a escorregarem dos rabos para o solo.
Depois de eu mesmo me quedar para ver este evento, e ao retornar para o meu quarto, a senhora de branco, que gemia num dos cantos dos ângulos, deu-me a mão despida, o pulso fino. A minha pele roçou a dela. Logo a mordi violentamente e sangrei longamente.
Nas paredes do meu quarto, uma das árvores está a despir-se ao espelho e a escrever uma carta para alguém muito longe.
Que elegância...
ResponderEliminarMuito visual. Ricamente descritivo. E belo. Vi o macaco curioso e apático, vi o movimento das rachas e senti a nudez pálida do pulso.