domingo, 3 de maio de 2015

Lá Fora Era Verão




Todos os dias ao passar à porta de mim vejo expostas duas máscaras. Tu antes de mim, e eu, a sorrir como se soubesse que te enganava a minha felicidade. Tu és um anjo e a segunda vive acompanhada num deserto onde se sentam os reis de lábios gretados, com as suas coroas de machado a pesar sobre o bronze dos corpos duros. Nesse deserto sou fera abandonada ao seu sangue, com medo de si mesma e a devorar-te as asas-seio. Tu existires, anjo, e eu não dormir à noite, para verificar se dormirias no escuro um dia e como seria a tua beleza no sono. 

Não foi o mal que me levou a odiar-te, mas o teu bem. Porque quando te viam as formas móveis num lodaçal de serpentes, o corpo a gracejar a glória nos teus bicos de pés, a tua dança a escancarar as portas do silêncio para deixar sair feras com o sangue que contra elas se agita eis-me, a olhar-te como o homem invisível e iluminado que a candeia que deixas arder até ao fim revela. E ao revelares-me sou eu afinal a estátua imóvel com uma chama de pedra, para descobrir o anjo, e revelares-me é morreres para os homens de bronze. 

Comeste a comida das aves, mas o meu trabalho é retalhar as asas e esculpir o vento, fazer a areia dividir-se e receber as estrelas e afasta-te tu, pois degustarei os anjos como um homem que se supera na pedra.

André Consciência

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