sábado, 8 de agosto de 2009

Promessas 2 *

Orpheus, Jean Delville, 1893




Em ti vislumbro toda a vontade de viver e toda a dor de não se crescer à medida da alma. Depois pela tua questão cheguei a ti, embora tu não a mim. Interrogavas-te sobre a minha religião, sem mesmo me haveres ainda conhecido, quando conhecer-me é morrer.

Minha é a religião que rejeita todos os credos, e aceita somente as coisas, providas das suas maldições e bênçãos, assim como as sentimos dentro de nós. Se para vós, a religião se descreve no conjunto de crenças que recaem no sobrenatural, assim como nos códigos morais que permitem atingir o sagrado, para nós, que vivemos nada mais nada menos como o sobrenatural e o sagrado englobando, não obstante, o caído, o que nos resta adorar além da existência das coisas conforme passamos por elas e elas nos atravessam na invisibilidade dos espelhos?

Porque nós somos dentro das coisas, e porque ousamos rasgar todas as peles, não existe em nós a fé por elas, apenas a fé interna às mesmas, contida e saboreada no laboratório dos sentidos.

Porque somos eterna e amplamente sós, não serão descobertos códigos morais ou sociais que nos conduzam. Não somos ateus, pois não negamos os deuses nos homens, não somos agnósticos pois a dúvida, em nós, não impera, e o deísmo não será uma bandeira na constatação de que a razão, deixada a si mesma, não vale o mais pequeno sopro. Em nós, a virtude e a justiça são consequências da liberdade, em vós, da opressão. Qualquer lugar que pise amaldiçoo e sacralizo, então, se procuras um altar no qual adorar aquilo que começas agora a visualizar no movimento das minhas palavras, busca o espelho, nesse mesmo momento em que, ali, não encontres o teu reflexo.


(...)

Uma diferença, todavia, vem estabelecer-se na medida em que, da amálgama revolta dos sonhos da carne e do espírito da qual provem o mundo, extraímos o fluido luminoso e a treva numa medida perfeitamente regulada, assim, no mundo do espírito aquilo que é fogo virá influenciar a temperatura do nosso corpo no sentido dos graus mais baixos, enquanto que aquilo que é gelo o aquecerá. Devido a esta sensibilidade acrescida e ao manejo aperfeiçoado do mundo oculto, sentimos frio e calor, mas não sofremos de frio, nem de calor.


(...)


A eternidade é a condenação do futuro; é, contrariamente ao que pavoneiam, não o rumo certo da glória daquele por todos amado, mas a errancia.

(...)


Diana, hoje observo-te a brincar, como uma pequena chama ao luar, entre becos e sombras e mascaras de lobos, com um sorriso de criança e a inocência cruel das rosas, e pareces pequena e grande em simultâneo, mas eu sei melhor, sei que és pó. A morte, tudo iguala minha pequena. E embora a tua brincadeira seja mais uma corrida até ao final dos finais, a consciência da imortalidade em mim brinca em passos de dança com o precipício da inconsciência em ti. Por isso mesmo permito-te conhecer alguns aspectos da nossa existência ou, deveria talvez proclamar, inexistência. A minha esperança sopra também nos ventos de que o venhas a espalhar às mentes despreparadas e despedaçadas dos teus semelhantes, pois a anarquia e o caos é o deleite e o vício mortal da eternidade.


(...)



O Vampiro organiza-se em sociedade segundo o modelo anarquista e, simultâneamente, aristocrático, em que o seu sangue é tido como sangue azul e dele é requerida uma certa nobreza dotada de uma etiqueta própria, porém natural, provinda das entranhas, então refinada ao máximo potencial da educação e do conhecimento. Não existe, pois, nenhuma hierarquia e, se alguma pirâmide de estatuto prevalecesse, seria aquela do poder da expressão do semblante de cada membro, sendo que os estados de espírito são, naturalmente, mais ou menos flexíveis.

Todo o Vampiro existe a um nível de igualdade simétrica e inquebrável, sendo porém a individualidade o princípio máximo que regularia esta associação, e por isso, cabe a cada associado trabalhar unicamente aquilo que espelha no mundo a sua particularidade, a sua inspiração e verdade; e assim, o lucro é visto em termos de realização, mais do que pelo cobre, isto é, a moeda de latão.

Esta, seria igualmente a vossa ordem natural, embora uma diferença interna resida em que no homem mortal, a individualidade se caracterize por se ancorar no corpo, dai o intercâmbio do sangue provocar muitas vezes a morte, sendo a nível da alma que o homem mais se mistura e se une com as coisas de forma saudável. Por sua vez, a individualidade do vampiro existe na sua alma, da qual o sangue é a interacção, o seu erotismo, a sua comunhão, compartilha e a sua fertilidade. Se um vampiro arrisca a sua alma, que é a sua maldição, coloca também a sua existência numa situação frágil e possivelmente fatal.



Mesh-ki-ang-gasher

13 comentários:

  1. http://en.wikipedia.org/wiki/Mesh-ki-ang-gasher

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  2. http://phallucifer-babalith.deviantart.com/art/Meshkiangasher-111642102

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  3. hum... o texto é lindo.. parece um prece.

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  4. Bem haja friend!

    "Um olhar no infinito
    Entorpece a mente,
    Encaminha o pensamento
    Profundamente.
    O abismo insano
    Alberga a besta,
    Protectora do incauto,
    Devoradora daquele que VÊ.
    Nasce (de) novo,
    Iluminado pelo mistério
    Do silêncio intemporal."

    Quem é o 9?
    Abraço forte

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  5. O 9?
    É Yesod :P.
    O que estás a perguntar?

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  6. Pancada do dia...Ver 9 por todo o lado...
    Dai te ter perguntado...

    Deixando o 9 de lado, e qualquer outro numero.
    Gosto das tuas "promessas"...

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  7. São todas falsas, como os manequins.

    :)

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  8. Se foram escritas é porque contêm nem que seja uma pontinha de verdade, inside of you!

    Tal como os manequins...bonecos feitos à imagem dos humanos...por isso não são totalmente falsos... neh? :P

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  9. Na história de Xibalba haviam manequins animados sentados nos tronos dos Senhores, quando os confundias pelos Senhores, tratavam-te da saúde.

    Devia ser uma referência já na altura ao protestantismo :P ou à antiga fúria de Moisés.

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  10. Confundir X por Y, pode ser muito chato..muhahahaha

    Vais ter de me arranjar ai umas referências sobre Xibalba!! :P

    Fiquei ainda mais curioso depois de ver o filme "The Fountain"

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  11. Procura um livro chamado Popul Vuh.
    O "The Fountain" é muito bom, e o tema do filme é um tema com que me identifico.

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  12. Popul Vuh...
    Já esta adicionado um na wishlist da Amazon... :)

    O The Fountain, já o revi, e é daqueles filmes que tenho a certeza que o irei ver mais umas tantas vezes...
    Aquilo mexe mesmo!

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