As palavras são triviais
A cabeça do girassol é uma lâmina
A ponta do alfinete um estranho oásis
A criança que lava a cabeça no rio
A tua sombra
E a mãe que porta o rosto de Deus
Uma clareira no verde
E não o sabem as palavras
Importa a nobreza das camélias
A ancestralidade das pedras
O vulto perdido das searas
Todas estas coisas que abrem
os livros.
O cisne canta ao longo da água como num tapete persa. Atravesso-o. As três árvores de granito ficam também para trás, regadas pelas suas três fontes, depois, por seu mantel, a superfície de cristal manso e líquido onde as árvores se põem a subir infinitamente para o céu, continua e visivelmente, e eu suspiro um suspiro que adapta a flora e enriquece a fauna, o veado, a lebre, a gazela. Tudo é móvel, soprado pelo poder doce, e se fixa à minha aproximação. Então, a aurora ilumina a primeira montanha, tingindo de vermelho as pedras do céu, e outra água principia a cair, onde se deleitam arcanjos femininos de Zoroastro. Pensava ter encontrado a morada que segrega a luz que sou, mas a minha luz não vinha do chão ou do céu ou da treva do pensamento, os germes cresciam e avolumavam-se numa forma em que cada gesto é um significado e eu permanecia sozinho, como um objecto iluminado cuja luz tem de ser objecto.
II
Aqui matei o meu filho, e ele ergueu-se com as árvores que sobem infinitamente. Já nada vem do céu ou do chão ou da penumbra do pensamento. As coisas segregam luz, a minha mão marca a pedra e o horizonte perde distância e as alturas profundidade e ganham presença. Estou cheio de flores, rios, árvores, pássaros, montanhas. O céu azul. No céu, sou o céu, no mundo, sistema nervoso. Ali, lúcido e sereno, diáfano e translúcido, compreendendo a inexistente deslocação dos corpos. Depois, rebela-se o mirto, o jasmim, a manjerona, o lírio e as formas femíninas que penetram as águas recebem o fogo e concebem, luz sobre a luz, os homens retêm a respiração e inicia neles uma respiração outra.
Há um coração no circulo de pedras, silente e rumorejante no seu silêncio, que canta os dias que fui e depois se debruça sobre o tempo presente e encontra tudo isso nos traços das suas próprias mãos. Depois há uma concha, contendo uma pérola, que foi ofertada sobre o antigo altar. Um anjo sobe e materializa-se, a cantar com as penas que roçam umas nas outras. E outro anjo desce e beija-te, lânguida ao longo das pedras como uma cobra imensa, e ajoelha os alces e levanta os dorsos das baleias do ártico e vocifera o frio mudo e a claridade. Eu abro os olhos, pendo sobre a ternura dos dias e balanço-me no pêndulo de fogo do teu ventre, o teu peito a florescer uma floresta de urze com lagos, o teu sorriso um palhaço de sangue reforçado pelas dobras do desejo. E onde a pele era um deserto a neve derrete-se, escoalha-se, revolve-se, ergue-se e canta na boca do anjo, um verme de luz insinuante. Anda, senta-te. Teçamos o mundo e as águas no fundo. Alguém voa, com os teus cabelos e o meu rosto, os teus olhos e os meus dedos. Alguém se senta, a tecer os dias sobre os quais os alces correm e o gelo chora e a cabeça alva da Lua se torna rubra. E não tenhas pena da morte, todos os homens morrem aqui.
Da tua flor a tintura da vida, da tua canção a sombra fresca na terra. Morre a águia e morre o tigre, e cobrirás a pincelagem primeira, da amizade, da nobreza, do amor fraterno, com a sombra negra da terra.
Uma larga plumagem é o teu coração, e de puro jade é a tua palavra, ó Pai!
Tende piedade de mim e sobre mim pousai um olhar misericordioso, porque será por um momento breve, como, em oferta à Mãe Morte, abrem os frutos azuis os corais de flor e canção.
Blood Gatherer
We shall not for ever die; even the grains of corn we put under the earth grow up and become living things.