quinta-feira, 14 de julho de 2011

Jibrael


Parsifal - Delville

Um burburinho louco passa pelas cidades desconstruídas do nosso dia-a-dia. Nada nos marca e tudo é, não obstante, tão fundo quanto somos. Tanto tenho a dizer e com eloquência bastante sobre a nossa actualidade, no entanto a loucura simulada é a única resistência, o simulacro negro e desesperado do neo-Dionísio. Uma virulência requintada invadiu a racionalidade dos homens e a graça das mulheres. Todos somos as suas presas uns dos outros. Não pretendo ser poético, há música bastante na electricidade que nos perfura e nos liberta de nós mesmos, no anjo inimigo da carne e apologista do auto-consumo do eu. Pai, se te lembras de nós, que somos poeira e esquecimento, aproxima a tua estrela. O inútil cresce e pressiona-nos a trabalhar sob a sua cruel e luminosa espada, espicaça-nos o espírito e mói-nos no lodo de carícias longínquas. Ímpios se tornaram os teus ministros, o escárnio habitou a boca dos teus juízes, a santidade escolheu o rosto dos pecadores. Dia e noite medito na queda dos templos, nas prisões derramadas. Faz-me como uma árvore plantada junto às correntes de águas, para que rompa os edifícios e as teias dos que sem a tua graça prevaleceram na tua força. Porque tu conheces o caminho dos ímpios, mas o vulto das pedras e do teu corpo primeiro conduz à sua ruína. A anarquia dos anjos paira sobre as cidades ensopadas da ausência de sangue. Há muito caíram as nações e os povos, todos. Os teus anjos reúnem-se num louvor de mentira e de vaidade. Deito-me com o meu coração no leito. Que os meus ossos sejam como a sombra de ti e que o meu vulto seja. Que na morte haja uma lembrança de ti e no Seol eu te louve. Tu, que puseste na escuridão o teu sorriso em toda a terra, os teus dedos na montanha, no chão, no céu, a esquecer-se dos impérios, infernais ou celestiais. Vede agora, como a perfídia se desfaz em tudo o que passa pelas veredas dos mares, no céu que adentra a ave, no mar dos bois, no campo dos peixes.

Horned Wolf

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