terça-feira, 30 de novembro de 2010

Song of Love


Song of Love - Rene Magritte



I

As vezes que te vi dançar já chegaram
Para me dar a vida. Mas eu desejava
Ser árvore na tua guitarra. Que tu olhasses
Para mim sem o peso do mundo existir
Que a água que anima o rio
Nascesse toda e abafasse o mar.
E abafa o mar.


II

Já não queres ouvir mais poesia. Direi as coisas de outra maneira. Olha, este é o meu papel, e já traz a tinta, com estrelas, e o pincel, de vivê-las. Não é sobre ele que eu vou falar: o papel é um jardim junto ao Tejo, no Oriente. Espera, estamos a ver o fim dos dias juntos (podia ter sido qualquer vez que olhássemos para o que no outro olha). As luzes falham. Já imaginaram, se houvesse uma noite, em que nem uma única chama se mantivesse acesa? As coisas cá de fora são todas uma brasa incandescida: porque entre nós passa uma água fresca e etérea, lembras-te? Nunca chegará o dia, em que eu me esquecerei do fim do mundo.


André Consciência

?


Entracte - Rene Magritte


Era dia, de Verão. Dia de Verão.
Uma borboleta lançava-se insistentemente
Contra o meu parapeito.
Não entendia a sua razão, procurava
Esconder-me.

E passaram-se os dias, e dessa borboleta
Saiu uma rameira: “Ó luz adormecida
Onde está, a tua ausência de vida?”

Gritou do rés-do-chão.


Horned Wolf

domingo, 28 de novembro de 2010

Aves do Além Mar




Severas, as aves do além-mar
Chamam por nós a navegar
A luz ténue do pensar.

Há mais terra para lá
De haver terra a consumir a terra
Há o que fica, o que nenhum mal
Leva.

Folhas, que caiem, que no pó
De si mesmas se subtraem.
Mas os nossos caminhos,
São aves, com ninhos.

O teu corpo move-se pelo reino
E nas muitas coisas que vêm.


Horned Wolf

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Amado




No meu quarto vejo quartos
Com música, a cortina
Fica clara com o dia
Mais escura com a noite,
E o mundo lá fora
É isso no fundo.

De vez em quando estás
Em quartos, sozinha
A olhar as coisas de sempre
Só ai é que o meu corpo dói
Como se tivesse sido amputado.

Há vezes que estamos no mesmo quarto
Sem nos vermos e a pensarmos
Um no outro.

Há vezes em que estamos no mesmo quarto
A ver-nos, e ai não cortinas
São varandas com vista.

O mar está quieto, e há electricidade.


André Consciência