quinta-feira, 31 de dezembro de 2009
Mercury Stained
"In that year there was
an intense visitation
of energy.
I left school & went down
to the beach to live.
I slept on a roof
At night the moon became
a woman's face.
I met the Spirit of Music."
Jim Morrison
domingo, 27 de dezembro de 2009
Sobre as Cinzas das Estrelas
Atégina, coroada de astros, silente senhora da terra,
Lua fervente nas águas sulfurosas da montanha,
Quando a vós os anjos falam a noite é bela e iluminada,
A terra treme, e a treva circunda o coração do homem.
Horned Wolf
sábado, 26 de dezembro de 2009
Fénixterra
O Sonho de Ossian - Jean Auguste Dominique Ingres
A tua face é o segredo das nações,
O teu olhar estende-se através das constelações,
Senhor dos Órfãos, Senhor dos Mortos,
Os meus olhos são cegos e eu perco-me na multidão,
O sofrimento das Eras é um colosso nos meus ombros.
Fénix do meu sangue, sou um templo que tu habitas,
A minha carne a tua essência, criatura
De Mar e Sol.
sexta-feira, 25 de dezembro de 2009
La Mort Transfigureé
La mort du fossoyeur - Carlos Schwabe
Vem, Senhor do faixo brilhante, e penetra-me como uma serpente ondulante, no Amor, êxtase que tece a Vontade.
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
A Corda
Adoração dos Magos - Domingos António de Sequeira
A solidão não pisa a linha que o rio
Sobranceiro à civilização, sombreia
Tal como não conheço a forma que a Lua
Desenha sobre o oceano para lhe arrancar
Com canção, as bordas.
Procuro as palavras que descrevam
Não haver barco que não a maré
Nem a montanha com o sopé.
E com palavra e som, pensamento,
E dom, faria esculturas, e deuses miniaturas,
Mas eu não tenho pincéis por tinta
Ou mãos que não sejam toque.
No meu corpo, existe ser os corpos
Que se atraem e repelem, se amam
E velejam o precipício do esquecimento
Para que cada rosto se devore em momento.
Na minha voz, existe o silêncio da vaga
Dantesca e atroz, que engole amantes sós.
No meu gesto, existe a lamuria da sereia
Despida de Lua e nua, nua, no meu passo de dança.
André Consciência
sábado, 12 de dezembro de 2009
It's Full of Stars...
Autumn In Paisley - Stars of the Lid
Procurei o contorno da tua nuca
De manhã, a tua respiração
Na árvore. Os poetas descansam
A sombra é tão fresca
Que num quadro chega a ser canção.
A felicidade dos outros
Em mim, eu procurei.
E desejava não saber, que há mais
Do que tigres na neve ou crianças
Que brincam na erva.
Desejava que o lápis não desenhasse
Mais que paisagens, não fosse
Parar aos sonhos das primeiras luzes
Das quais pisamos a cinza
Com um infinito sufoco nos lábios.
Ah, e a alma uma cruz, um turíbulo
De memórias apagadas, em brasa
Os rostos todos do mesmo incêndio
A estender os braços ao alivio
Da morte.
Sossego, ao parapeito das estrelas
E fico a ver a vida de tanta gente
E tudo o que passa não tem nome.
Ninguém se lembrará
Do pólen que caiu dos vossos beijos,
E do que as flores fizeram sorrir.
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
A Boca do Mar Comeu o Lobo
Adam and Evil - colagem e manipulação de Babalith
Dos musicais carroceis da felicidade com todos os seus precipícios, o feiticeiro retorna aos lodaçais do abismo e, lentamente, volta a crescer nele a pele de tubarão. Dorme um sono lesto e de rebeldia. Acorda cheio de piolhos falantes e persegue os seus sonolentos dias numa tentativa suicida de se separar de si mesmo para se tornar a si mesmo. Vomita tudo o que os homens, nas suas prisões lá em cima, com horror guardam. Coça a pele e volta a adormecer, sonhando sobre mares traiçoeiros. Deixa-se visitar por um hermafrodita no qual tudo quer tocar e nada o pode conseguir. O hermafrodita brilha, porque tem sangue forte de anjo. Ao feiticeiro quase que o hermafrodita aparenta o perfume da sabedoria, não soubesse melhor. Jogam xadrez e o hermafrodita repara que o feiticeiro tem muitas cicatrizes. Lança, não sabendo o que é ser homem ou mulher: “Qual o maior desejo humano?”. O feiticeiro responde com a ruína. O metade-anjo: “Não será ruína, em vez, o seu maior medo?”. O feiticeiro procura rir-se, mas a sua boca é uma cicatriz que nunca se fecha e por isso nunca se abre. “É de supor que a procura humana é pela felicidade, mas a ruína abate-se irremediavelmente sobre a sua condição, asfixiando-a. É, sim, na morte que o homem encontra satisfação e no seu prolongamento que ele encontra a felicidade por manifestação do amor. A isto vem substituir a ruína, ou a espuma da vaga, a espuma da vaga cria a pele do grande tubarão.” Coça-se e continua: “Um dia, o próprio homem, alimentando-se de pedras, se tornará pedra e ruína, para conhecer, quieto, os ventos e a terra e os céus. A seguir, será chama, e sem apagar ou queimar o seu corpo negro. Não, o desejo maior do homem é a ruína, é sobre isso que canta o amor sob o engodo quer do sofrimento quer da felicidade.” O hermafrodita sorriu, com uma inocência eterna e virgem. Não sabia jogar xadrez mas gostava de brincar com as peças. “E a História?” Perguntou. “O que tendes com a Historia?” Ripostou o feiticeiro. “A História ergue-se sobre a ruína.” Depois das palavras do hermafrodita, o feiticeiro grunhiu: “Mero rasto de cinzas, e a sua posterior disposição ao vento. Nada lá se encontra a mais do que na contemplação das mutáveis e insubstanciais nuvens no Outono ou na Primavera, pois tudo o que está abaixo dos céus não lhe é superior, excepto quando da espuma da vaga se cria uma ruína que lhe sobrevive, por quanto tempo sobrevive.” Enquanto escutava o feiticeiro o hermafrodita engoliu uma torre. Riu-se com canção. “O que é que isso interessa?” O feiticeiro riu-se, rouco. “Não mais do que um grito na penumbra, caro hermafrodita. Não mais do que um grito na penumbra.”
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
Ruínas
Must Have Been Love - Babalith
Relacionei-me com homens que foram virtuosos. Morriam aos sessenta anos, e ninguém deixava de exclamar: "Praticaram o bem na Terra, ou seja, praticaram a caridade: e só isso, nada de mais, qualquer um pode fazer o mesmo." Quem compreenderá porque dois amantes que se idolatravam na véspera, por uma palavra mal interpretada, separam-se, um para o oriente, outro para o ocidente, com os aguilhões do ódio, da vingança, do amor e do remorso, e não voltam a rever-se, cada um envolto do seu solitário orgulho. É um milagre que se renova a cada dia, e que nem por isso é menos miraculoso. (...) Coveiro, é belo contemplar as ruínas das cidades; mas é mais belo contemplar as ruínas dos seres humanos.
D'Os Cantos de Maldoror, Lautreamont
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Ilha Peito
Na Terra dos Sonhos - Mariah
Há uma terra a leste do coração,
meu amor,
para lá dos mundos naufragados,
à esquerda da esperança.
Um lugar onde o veneno da medusa
é bebido em cálices nocturnos,
e onde os adolescentes
nadam
com os primeiros golfinhos da manhã.
Não tem nome nem mapa nem rota,
é uma terra de vento e luz,
onde Deus está por inventar,
e o Demo não desembarcou ainda
com as suas filhas de prata.
É uma pulsante ilha no meu peito,
escuta-a, amor,
a terra onde poisarás a fronte,
e onde uma noite apenas
dura todo o sempre.
João de Mancelos, em Alma Azul