quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Ninguém, a Terra

Dedicado a absolutamente ninguém


Eu e o maldito Cais do Sodré

A Lua, na minha aldeia, é sempre grande, e faz uma rota igual todas as noites. Saúdo o Sol quatro vezes ao dia, e sei o seu percurso exacto. Na minha aldeia as estrelas ainda não estão poluídas. Sei de cor o crescimento da vegetação, quando a queimam, ou a cortam e aparam. Sei de cor o canto do corvo, e dos pássaros que se aninham no meu telhado e deixam cair palha pelas frestas das paredes. O mocho, os morcegos. A minha aldeia não tem muros, só planuras, e depois o meu terraço decorado com estatuetas de corujas e rodeado pelas trepadeiras. Sei de cor o movimento das trepadeiras, por isso parecem estar sempre paradas, como a Lua, o Sol e as estrelas. Até os cavalos parecem estar parados, se galopam. Os porcos e as ovelhas. A minha aldeia é um túmulo aberto e ninguém a visita. Na minha aldeia moram idosos e, de todos os estabelecimentos comerciais, existem somente cafés, onde se juntam com conversas sobre mulheres e a juventude que passou. São sempre as mesmas pessoas e também estão paradas. Conhecem-me de cor, o meu vulto vestido de negro. À noite, sento-me sempre só e não gosto de conversar, embora sorria de quando em vez ao ouvir algum disparate divertido. Ninguém me incomoda. Tornei-me na minha aldeia. Não sou outra coisa, quando saio da minha aldeia sinto-me a viajar entre sombras, sendo uma sombra. Os habitantes da minha aldeia são como as árvores da minha aldeia, são parte do terreno e não pessoas. Lá fora, por vezes, quando as bocas se beijam, as sombras, a minha e a outra, parecem tocar-se, numa ilusão da alma. Depois tudo volta a ser terra e folhas ao vento, como sempre foi. Terra e folhas ao vento na minha aldeia.

4 comentários:

  1. Mas as aldeias têm um mistério só delas, uma sensação que só elas sabem criar e manipular. E a maioria são belas ^^

    Beijinhos!

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  2. Estou com uma insónia imbecil. O que me vai dar dores nas pernas o resto do dia.
    É. As aldeias têm. E um mistério belo pois. Mas vivem dentro da neblina. E a vida e a morte parecem a mesma coisa: terra. Dito assim parece muito poético, mas ha dias em que é uma merda.

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  3. Conheço o sentimento...belo texto.

    Abraço.

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