Era um dia especial porque eu podia brilhar sem ninguém ver: ser mais genuíno. A nossa estética arquitectura portuguesa sempre foi amante de um futurismo transcendente. E até àquele dia eu nunca tinha reparado em ti, que não vias as mesmas luzes que eu, no céu. Escolhíamos roupa e eu não reparava em ti, lá fora reparava em ti, tu não vias as pequenas faíscas que escapavam do Sol e desciam como mil peixes incandescentes para inundar a terra. Tu não o vias, eu testemunhava-o sozinho. Era já um rapaz feito, mas só então percebi.
Eu amo, e depois, morro, e quando amo morro, e quando morro amo.
Todas aquelas coisas que não eram nada, insolentes insubordinações que se afastavam do círculo e criavam outros círculos: como se pretendessem o absurdo de se existir por fora, tal se eu não contivesse tudo. E engolindo um milhão de estrelas pousei nos seus crepúsculos. Nunca existiu isto, fora do corpo mineral: Um exercito de sapos que coaxavam e pulavam de lugar em lugar. Arrastava-os para mim, as suas fantasias mais secretas, os seus combates, as paixões, e todas essas extraviações de uma anomalia extra-terrestre intitulada de pensamentos, de pluralidades charlatãs.
Todos os dias eu nascia no Sol, para me lembrar.
Eu amava-te. Tanto quanto te amo. É quase pena o que não pudémos contar. E é quase pena os anos de silêncio, por uma recordação serena, uma recordação quase só do coração.
Era de noite quando as estrelas caíram. Era de noite quando Deus se lembrou de queimar os homens. Eu fiquei contigo no pontão, quase debaixo da Ponte Vasco da Gama, e tinha escrito na madeira, para ti; apenas o rio e os olhares e os gestos com brisas de cabelo, diziam mais: ainda era de dia para nós, e não sabíamos que o nosso amor não era a única forma de se morrer e de se escapar da morte.
Devido ao Olho.
Fui cinzas, marés inteiras de cinzas.
Fui cinzas e fui Olho.
A tua mão, tão perto da minha…
Tocávamos-nos enquanto fazíamos muita força com os corações, mas ainda existíamos, mas o mundo ainda se encontrava colado a nós. As pessoas tinham o peso de sombras. Nós éramos o centro gravitacional. E não sabíamos, não sabíamos que éramos engolidos para sempre, gradualmente e copiosamente, engolidos para sempre.
Eu só sabia que éramos dois quando iniciávamos o rito de amor. Deve ter sido ali, que alguma forma alienígena a tudo o que éramos entrou em nós para crescer às escuras, se vingar de sermos como éramos.