sábado, 23 de maio de 2009

GÓTICO - Subcultura ou Género Musical?




Resposta meio abrutalhada num debate em que os góticos dos velhos tempos atacavam os góticos das novas gerações, porque gostavam de gothic metal e não pertenciam, por conseguinte, à subcultura. Os góticos da nova geração não sabiam como responder a isso e ficavam confusos:

A diferença do punk do qual descendeu o gótico do gótico é que o gótico é menos cru, sim, começa a introduzir o órgão e as letras são muitas vezes introspectivas e até depressivas. Existe uma maior sensibilidade poética, uma ligação no que respeita as letras ao romantismo, ao mórbido, e ao sobrenatural. Muitas vezes a voz é dramática e profunda.

Do rock gótico surge a subcultura, é certo, e a subcultura já não era, somente, um movimento musical. Foi incluindo moda, os bares, literatura, pintura, filosofia, banda desenhada e até jardinagem; os sobreviventes do movimento estético do rock gótico criaram para si mesmos o que se chama disso mesmo, uma cultura, um mundo próprio. Só aqui é que se torna numa subcultura digna desse nome (e até hoje ainda não uma contra-cultura, por causa do niilismo inerente a limita-lo em termos de crenças politicas e soluções concretas para o mundo).

Dentro da subcultura estava um revivalismo da literatura gótica, ou melhor, o rock gótico desde o seu começo é que aspirava a este revivalismo em primeiro lugar, que combinava o horror e o romance, uma rejeição das doutrinas pre-estabelecidas e um mergulho do intelecto na obscuridade, que se lançava no seu modo aos novos descobrimentos (o mundo era desconhecido e cheio de peripécias sobrenaturais e bizarras). A figura da autoridade e do dogma é nesta literatura (como os condes e os sacerdotes) vista como maléfica e assustadora, ruínas (as ruínas do que consideravam o velho mundo, ruínas nas quais viviam), etc. As criações humanas decaiam e morriam. E para ilustrar como era temível a autoridade, mostravam um mundo medieval que tão bem foi marcado pelas tiranias da fé e do dogma. A beleza também começa a ser olhada com um misto de admiração e suspeita, a mulher é fatal, a loucura um mistério a penetrar (Freud descobre que o homem tem uma besta no seu interior, coincidente com a imagem artística dos lobisomens - libido, etc), e ergue-se uma bandeira contra o catolicismo (coisa dos protestantes). Em suma, esta literatura do século dezoito intitulada de “literatura gótica” vai inserir o fantástico em elementos do realismo que marcava afincadamente a época (esta escola, tal como o gothic rock, também começou na Inglaterra, e espalhou-se para França e para a Alemanha, que de resto é a mãe do Romantismo, que contribuiu para o género gótico). Ah, a androginia que vês vem da época vitoriana, que passou a chamar a essa literatura de gothick (com o “k”), que adoravam a imaginação fantástica da arquitectura gótica. E para não deixar que o movimento aqui morresse, vai Poe beber a Ann Radcliffe e ao romantismo de Byron (tal como contemporaneamente o senhor Burton bebe de Poe). O movimento literário continua por ai fora até ao Bram Stoker, no século vinte já aparece sob a forma de Lovecraft (entre outros).

É claro que a literatura influencia o cinema, e o cinema copia a literatura, e antes das bandas góticas já existia uma vivência da literatura gótica no cinema. Não foi apenas o rock gótico a manifestar a literatura gótica (alias em todos estes géneros teve muita influencia Black Sabbath), mas por exemplo King Diamond, do Heavy Metal, ou sim, vários grupos do Métal Gótico (e se o metal gótico não é gótico então o rock gótico também não seria gótico) e várias outras bandas que se tornou cliché para um gó estar contra - porque se o pessoal no geral gosta temos de estar contra ou então ficamos menos gós, mas não interessa erudição, acusar os outros de estar na moda chega - )

Esta literatura tem influencias fortes do período estilístico e filosófico barroco, que retrata um jogo de poder entre o divino e o humano, e o efeito da ilusão, e a arquitectura gótica expressa isso mesmo, pela própria mente construíam catedrais altas o suficiente para chegar ao céu - uma torre de babel - (já a pintura gótica mostrava pessoas de rostos voltados para o céu, como os românticos olhavam para o infinito - e os principais pintores da pintura gótica iniciam a pintura do renascimento, em que a ciência, a matéria e o sobrenatural são um e o infinito rompe pelo finito), pelos vitrais do homem a luz natural entrava e tornava-se sobrenatural.

Poderia escrever um livro sobre isto tudo, mas vou abreviar e dizer que gótico não é o artigo que compramos, seja este um CD, um filme, um livro, gótico é uma qualidade que pode estar ou não inserida no artigo, e a mesma coisa vale para pessoas. Um CD de Gothic Metal não é um CD de Gothic Rock, isso é absurdo. Mas podem ser, ambos, cds que se incorporem na subcultura gótica que, acima de tudo, voltada para si mesma como os iluministas, vê fundir-se a angustia da morte latente no homem como criatura solitária - despida de um deus -, no corpo e nas coisas da terra, com o sentimento do sublime, da noite das coisas que acaba por o despir de pátria e roupagem e o entrega às fúrias da criatividade errante que vive da fusão desses dois opostos - o sublime e a angustia.

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