domingo, 30 de julho de 2017

Malak





O cisne canta ao longo da água como num tapete persa. Atravesso-o. As três árvores de granito ficam também para trás, regadas pelas suas três fontes, depois, por seu mantel, a superfície de cristal manso e líquido onde as árvores se põem a subir infinitamente para o céu, continua e visivelmente, e eu suspiro um suspiro que adapta a flora e enriquece a fauna, o veado, a lebre, a gazela. Tudo é móvel, soprado pelo poder doce, e se fixa à minha aproximação. Então, a aurora ilumina a primeira montanha, tingindo de vermelho as pedras do céu, e outra água principia a cair, onde se deleitam arcanjos femininos de Zoroastro. Pensava ter encontrado a morada que segrega a luz que sou, mas a minha luz não vinha do chão ou do céu ou da treva do pensamento, os germes cresciam e avolumavam-se numa forma em que cada gesto é um significado e eu permanecia sozinho, como um objecto iluminado cuja luz tem de ser objecto. 

II 


Aqui matei o meu filho, e ele ergueu-se com as árvores que sobem infinitamente. Já nada vem do céu ou do chão ou da penumbra do pensamento. As coisas segregam luz, a minha mão marca a pedra e o horizonte perde distância e as alturas profundidade e ganham presença. Estou cheio de flores, rios, árvores, pássaros, montanhas. O céu azul. No céu, sou o céu, no mundo, sistema nervoso. Ali, lúcido e sereno, diáfano e translúcido, compreendendo a inexistente deslocação dos corpos. Depois, rebela-se o mirto, o jasmim, a manjerona, o lírio e as formas femíninas que penetram as águas recebem o fogo e concebem, luz sobre a luz, os homens retêm a respiração e inicia neles uma respiração outra. 


André Consciência