Eunice Correia por Gonçalo Rodrigues Batista
Há um coração no circulo de pedras, silente e rumorejante no seu silêncio, que canta os dias que fui e depois se debruça sobre o tempo presente e encontra tudo isso nos traços das suas próprias mãos. Depois há uma concha, contendo uma pérola, que foi ofertada sobre o antigo altar. Um anjo sobe e materializa-se, a cantar com as penas que roçam umas nas outras. E outro anjo desce e beija-te, lânguida ao longo das pedras como uma cobra imensa, e ajoelha os alces e levanta os dorsos das baleias do ártico e vocifera o frio mudo e a claridade. Eu abro os olhos, pendo sobre a ternura dos dias e balanço-me no pêndulo de fogo do teu ventre, o teu peito a florescer uma floresta de urze com lagos, o teu sorriso um palhaço de sangue reforçado pelas dobras do desejo. E onde a pele era um deserto a neve derrete-se, escoalha-se, revolve-se, ergue-se e canta na boca do anjo, um verme de luz insinuante. Anda, senta-te. Teçamos o mundo e as águas no fundo. Alguém voa, com os teus cabelos e o meu rosto, os teus olhos e os meus dedos. Alguém se senta, a tecer os dias sobre os quais os alces correm e o gelo chora e a cabeça alva da Lua se torna rubra. E não tenhas pena da morte, todos os homens morrem aqui.
André Consciência, dedicado a Eunice Correia