Clap clap clap clap clap clap clap clap, assim. Três batiam palmas, um saltava para o meio, os transeuntes na escadaria a ver. Há alturas da vida em que ficamos novamente jovens, ou fingimos bem o suficiente para nos enganarmos. Mas de noite, chegava-me uma angústia, quando era para dormir. angústia. Levantava-me da cama, deixava-a a descansar e ia sozinho perder-me até começarem a assobiar nas ruas os que levam o lixo, os que abastecem os bares. Todos assobiavam. E depois as freiras a brilharem ao sol, os cavalos a começarem a preparar-se para o dia. Dirigia-me para o terraço do hotel. Ficava a comer, beber, fumar, à espera. Ela pegava em mim e levava-me para um jardim onde dormíamos ao calor.
domingo, 20 de dezembro de 2015
terça-feira, 8 de dezembro de 2015
Malak
MALAK XVIII
Caminho entre os homens, fico a conhecer-me neles. Ainda muito só, a graça divina a influenciar por onde piso com a minha imagem. O Mediterrâneo a meus pés, judeus, muçulmanos e homens de Cristo que me respondem mais a mim que ao mar, e eu sem pergunta alguma, de mais perguntas o mar. Sou carne e osso, o meu sangue não é o seu e por isso imaginam o supersensível, a habilidade metafísica. A sua razão a ganhar os meus sentidos, esmagam-se contra mim a chamar-lhe cidade. E só me compreendendo, libertando-se da sua experiente sombra, se poderiam conhecer.
Um dia largaram-me no Poço, onde fiquei muito tempo, a sentir as esferas que giram, a imutabilidade que as subordina e onde resido. Agora os homens despreocupados, a razão a fungar trémula nos focinhos húmidos, a verdade encarcerada.
Eu, que aqui fiquei, estive também em muitos lugares, mas visitou-me neste Agostinho, o cepticismo intacto, Boécio consolou-me e o tempo passou. Chegou um dia Chaucer, já esquecido de mim e a falar-me de honra e cavaleiros. Chegou Spenser que me deixou para companhia a rainha feérica. Ri-me de Dante, este sem prescrição para a incerteza, tão certo e galante. E perguntando-me da minha natureza, onde estava dependente a verdade última, lhe não soube responder, ou as leis por que opero, e nem o que é eterno ou transitivo. Dobrei-o, como a uma coisa sublunar, e condenou-me ao nome de Ilusão.
Aquando do Concílio de Niceia saí de dentro da terra e vivi a vida dos vivos, sendo pai para Al-Farabi, irmão para Avicena, amigo de Averróis e colega a Moisés Mamónides. Em Paris e Pádua ajudei a fundar universidades, caminhei com Tomás de Aquino, que fiz matar um homem na neve depois lhe pedindo a matasse, e a todos estes verguei, ao que permaneciam.
Malak IXI
No ano de 1300 reuni para mim uma alcateia de lobos brancos, cinzentos e cor de noite. Os outros diziam que transformava o cão no lobo e o lobo no cão, que do lobo fazia loba e da loba juntava o lobo. Talvez guiado por isto, um homem de nome Ockham veio depois comigo ficar nos terrenos nevosos, e lhe pedi que pusesse termo à vida do manto branco, como o fizera um dia a Aquino. “Se podes matar a neve, então também eu posso morrer”, acrescentei.
Na manhã seguinte ataquei-o vindo de todos os ângulos do Sol, cego pelo brilho William nunca previa a minha aproximação. Respirava agora exausto e eu soprava-lhe palavras.“Disse-te um homem uma alegoria de sombra e caverna, mas é o Sol que te cega, e o Sol é a razão a si mesma voltada. Se fitas o solo, vês-me na sombra, e é na sombra que o Sol te mostra a exactidão.” Quando se levantou, disse-me “não há neve”- existiamos então nós e aquilo que havia sido neve se tornara Legião. Aproximei-me do apático homem, o beijando na testa, a seus pés me prostrando e abandonando-lhe a minha espada.
“A seguir, terás ainda que me ter morto, e despirás o espaço e o tempo de absoluto, não multiplicarás as entidades dai resultantes para além da necessidade. Eu e tu seremos livres.”
Mas o homem nada fez ainda que me ferisse, pois na base da sua mente velejava também um anjo, a existência limitando-o.
Malak XX
Caia o porto de Antuérpia e os monastérios mudavam de propósito. De um dia para o outro, Londres enchia o ar de gente. Shakespeare fundou o Globe Theatre, onde os outros iam para se rir, e depois surgia a conspiração da pólvora. Na Honourable Society of Gray's Inn conheci Bacon, mas foi muito mais tarde, que no frondoso Hyde Park me fiz visto nu para na carne um do outro nos assexuarmos. Nesse dia, sentiu-se pela primeira vez criança comigo, perguntou-me como se passavam as coisas no reino de origem. “Só há” disse-lhe “uma que tens a saber do Céu, se existe. E é essa coisa esta, que enquanto vos ocupas de classificar as acima e abaixo das nuvens, e o seu destino de acordo com a sua presente utilidade, os celestiais se admiram com que coisas geram outras coisas, observam, estudam e reproduzem o modo como isto é, assim progredindo além do que se conhece tal como está, e movimentando os astros.”
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